sábado, 26 de dezembro de 2009

Diálogo XII

Sobre agrupamentos isolados uns dos outros, um momento de privacidade para se formar a Secção, imprimir uma personalidade à Secção, influências externas, contactos com outros agrupamentos, o que se pode aprender, etc.


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— «Quanto mais isolado um agrupamento, mais diferente dos outros ele pode ser», diz Bravo, dando início ao diálogo, «pois o isolamento é que propicia a especiação, se é que me permites empregar um aforismo de Biologia.»

— «Realmente não conheço muitos agrupamentos. Aqueles que conheço, ou melhor, que já vi pelo menos uma ou outra vez são os daqui. Ainda assim, não posso dizer que eu os conheça bem.»

— «Vivemos numa cidade pequena e, seguramente, estamos isolados da maioria dos outros agrupamentos. As actividades regionais ou nacionais tendem a ocorrer nas capitais dos distritos, o que é muito natural. A maioria dos agrupamentos localiza-se nas grandes cidades e a minoria é que deve deslocar-se até aí para tais eventos. Também é natural que esses agrupamentos mantenham mais contacto uns com os outros do que com aqueles do interior, tanto contacto "em pessoa" como por telefone, e-mail, etc.»

— «Isso é óbvio. E, como raramente participávamos em actividades da Região (nem sei se sabíamos o que era Região!), ficávamos restritos aos agrupamentos de nossa cidade. Até certo tempo atrás, o 82 estava fechado e só recentemente foi reaberto. Quanto ao 72, durante muito tempo não mantivemos contacto com ele, devido a uma rixa que hoje em dia já está superada. Sendo assim, até um tempo atrás, estávamos praticamente ilhados, como um Robinson Crusoé que ainda não havia explorado toda a ilha em que se achava perdido, muito menos chegado a qualquer parte fora dela. Também me parece verdadeiro que, agora, o 21 participe mais em actividades regionais do que antigamente.»

— «Isso quer dizer que, muito provavelmente, o 21 tenha preservado mais facilmente certos hábitos devido a esse isolamento, principalmente se lembrarmos que seus chefes estáveis ou duradouros (e estes é que assumiam uma Unidade) sempre eram ex-escuteiros. Ou, ainda, é muito provável que o 21 tenha desenvolvido costumes próprios.»

— «Mas afinal: isso é bom ou mau?»

— «Creio que por um lado seja bom, mas receio que por outro...»

— «Que poderia ser bom nisso?»

— «Manter velhos hábitos, desde que sejam apreciáveis, pois, quanto maior o isolamento, menor a influência externa. Se as características preservadas ou desenvolvidas ao longo desse período de alheamento foram boas, então esse período não terá sido inteiramente mau.»

— «Os agrupamentos de uma grande cidade, via de regra, possuem diferenças menores entre si. São mais parecidos uns com os outros do que conosco. Talvez sejamos uns verdadeiros alienígenas para eles!»

— «Talvez sim! Mas há maneiras de amenizar a falta de contacto. Hoje em dia, por exemplo, podemos acompanhar as actividades de outros agrupamentos pela Internet. Lá estarão algumas fotos e alguns comentários. Muitos agrupamentos possuem um sítio na rede mundial de computadores. Quem tiver curiosidade, pode dar uma olhada a agrupamentos da Inglaterra ou do Canadá e ver o que eles andam a fazer por lá. Outra maneira de amenizar o isolamento é participar o mais possível nas actividades em grandes cidades, para onde acorre um número considerável de agrupamentos, não só os da própria cidade-sede do evento, mas também os de várias cidades do interior do distrito. Os chefes também manterão contacto com outros dirigentes se participarem regularmente em cursos para chefes, seja recebendo instrução, seja auxiliando algum chefe do campo-escola.»

— «Parece que, para aumentar nosso isolamento, alguns de nossos antigos chefes não tinham o hábito de frequentar esses cursos.»

— «Devemos ao menos acompanhar o comboio da História de modo que não fiquemos desinformados do que sucede por aí. De que maneira usaremos esta ou aquela novidade, já é outra história. Não somos macaquitos que a tudo imitam sem pensar antes!»

— «Além do mais, somos escuteiros marítimos. Não parece que haja muitos agrupamentos marítimos por aí. Creio que sejamos realmente um caso à parte!»

— «Mas agora eu que pregunto: isto é bom ou mau?»

— «Somos escuteiros marítimos. Isto (ser escuteiro marítimo) certamente é bom! Mas, quanto a sermos minoria, isso não me apetece muito. Quanto ao facto de não termos sempre estado a par nem ao par de outros agrupamentos...»

— «"Vae soli!" Ai do homem só! Mas será que isso vale para agrupamentos de escuteiros?»

— «Meu Deus! De onde tiraste essa citação?»

— «Do mesmo lugar de onde tirei estas outras duas: "in medio stat virtus" e "in tempore opportuno"», diz Bravo, causando mais risos.

— «O.K., agora explica-me o que queres dizer.»

— «Creio que devamos isolar-nos para manter ou desenvolver certos hábitos, e que devamos ter contacto com agrupamentos de fora para estarmos em dia com o que acontece por aí. Um meio-termo seria conveniente. Ou seja: "in medio stat virtus".»

— «Se estivéssemos a falar somente de actividades ao ar livre, dirias que, além de participarmos em eventos da Região, também deveríamos ter nossos acampamentos de Unidade. Acertei?»

— «No alvo! Somos parte de uma coisa maior, chamada Fraternidade Escutista, mas isso não quer dizer que devamos perder nossa identidade como Secção. Neste último caso, devemos ser únicos ou correremos o risco de sermos medíocres. Participar somente nas actividaes da Região, por mais cómodo que o possa ser, não fará de nós bons chefes, nem dos rapazes uma autêntica Secção.»

— «Agora falta explicar a outra citação e, por favor, fala-me apenas em português daqui por diante.»

— «Não te preocupes. Creio que eu já tenha empregado todas as citações de que precisava. Mas, quanto àquela segunda citação, se começaremos de facto uma Unidade do zero, devemos ter um minuto de privacidade, por assim dizer, para a constituír ou moldar, imprimir-lhe uma personalidade ou estilo. Temos algumas ideias de como deve ser uma Secção e, além disso, queremos evitar certos erros vistos aqui e ali. Desse modo, um momento inicial de isolamento pode ser-nos muito favorável. Mas vê bem: queremos ser nós mesmos e, não, somente estar à altura de algum bom agrupamento. Se vivermos só de influências externas, ainda que sejam excelentes, seremos sempre o reflexo deste ou daquele agrupamento. Não se trata só de evitar uma possível má influência, porque talvez nunca cheguemos a recebê-la se mantivermos contacto apenas com bons agrupamentos, mas também trata-se de evitar esta ou aquela boa influência. Se temos nossas singularidades em matéria de recursos humanos e materiais, então precisamos de seleccionar e adequar ideias e, mesmo em se tratando das melhores ideias do mundo, recusá-las se notarmos que não produzirão os melhores efeitos segundo nossa realidade. Não falamos, em nosso primeiro diálogo, que a própria localização do agrupamento interfere sobremaneira na vida dele? Se me permites uma comparação, eu lhe oferecerei esta: as crianças pequenas são criadas, até certa idade, no ambiente familiar. Depois é que passam a frequentar a escola e a rua. Se não fosse assim, elas não teriam nada de singular que lhes justificasse a casa, o sobrenome, e nós queremos ser uma casa (isto é, um agrupamento) e também ter nosso próprio sobrenome (ou seja, queremos destacar o nome do agrupamento, dar-lhe uma personalidade entre os outros, se bem que este último termo seja mais adequado a indivíduos). Pois bem! Assim como as famílias não pretendem que suas crianças comecem sua educação fora de casa, tampouco queremos que nossos escuteiros comecem a deles fora do agrupamento. Daí esse alheamento inicial. Obviamente, mais tarde, teremos contacto com outros agrupamentos, mas em tempo oportuno. Ou seja: "in tempore opportuno".»

— «Talvez possamos aprender muitas coisas com outros agrupamentos, se realmente existem diferenças entre eles...»

— «Certamente podemos. Agora, recorda que em nosso antigo agrupamento não havia Comunidade. Desse modo, depois de ter deixado a Frota, passei a frequentar a Comunidade do 72 (após ter conhecido o chefe dos companheiros desse agrupamento num curso para chefes). A distância ideológica entre os dois agrupamentos não era tão grande como parecia ou, com o tempo, deixou de o ser, de modo que não foi tão difícil de a transpor.»

— «Passaste a frequentar a Comunidade do 72? Os chefes do 21 não devem ter gostado muito!»

— «A aceitação do 21 foi melhor do que eu esperava. Excepto um gracejo ou outro (o que é sempre melhor do que alguma cara feia), não fui capaz de encontrar nenhuma oposição. E foi então que eu pude ver a diferença entre os dois agrupamentos. Por exemplo: o 72 teve de acamapar noutra cidade, num parque para ser mais exacto, e eles levaram o bambu necessário para os trabalhos de pioneirismo. No parque havia espaço para se erguer um campo, mas a ninguém era permitido extrair madeira. O bambu destinado às construções foi extraído e cortado aqui, no tamanho e em quantidade convenientes, de acordo com projectos de pioneirismo previamente aprovados.»

— «Nunca fizemos nada parecido no 21.»

— «No 21 não pensávamos assim. Eis aí um exemplo do que se pode aprender com outros agrupamentos.»

No verão de 2001,
Breno Melo de Matos

Diálogo XI

Sobre competições entre Patrulhas, maneiras de fazer a contagem de pontos, vícios na contagem e outros fins inadequados a ela, bandeirolas de eficiência, e outras sugestões


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— «Na Flotilha ganhávamos pontos», dizia Ròmeo, voltando atrás no tempo alguns anos, «e, depois de doze meses, havia a Tripulação campeã, prestigiada com uma bandeirola de eficiência. Na Frota, entretanto, não tivemos isso, até mesmo porque os jogos eram raros e, se vencíamos, isso era tudo.»

— «A competição entre Patrulhas também deve existir no Grupo Pioneiro. Infelizmente não tínhamos uma bandeirola de eficiência que almejássemos e os jogos eram escassos, como tu mesmo já disseste. Entretanto, a contagem de pontos merece alguns cuidados.»

— «Lembro que, na Flotilha, pontos eram perdidos durante a inspecção do uniforme. Não era o chefe, mas o Timoneiro de uma Tripulação rival que fazia a avaliação do asseio. Ainda que uns fossem mais rígidos do que os outros, eles pareciam-me sinceros durante essa rotina. Eu, por exemplo, nunca exagerei ou me senti prejudicado. Mas receio que não pudesse ser assim em todos as Secções do mundo o tempo todo e, até mesmo em nossa Flotilha, porque uns eram mais rígidos do que os outros, alguma coisa ainda não ia bem.»

— «De qualquer modo, nesse caso, não ganhávamos pontos pelo asseio, mas perdíamos um ponto por cada item do uniforme que estivesse ausente ou em mau estado. Quanto ao lenço de bolso, pedíamos que o Moço no-lo mostrasse.»

— «No quesito presença, creio que também usássemos os pontos negativos.»

— «É sempre a melhor coisa a fazer. Nem todas as Tripulações de nossa antiga Flotilha tinham o mesmo número de elementos ou, se o tinham, isso não durava para sempre. Sendo assim, imaginemos duas Patrulhas: uma com oito elementos e outra com seis. Se lhes déssemos pontos positivos, isto é, um ponto por cada explorador presente, por exemplo, e se ambas as Patrulhas sempre tivessem 100% de assiduidade, ainda assim a Patrulha menos "populosa" jamais poderia superar sua rival quanto à presença. Seria muito injusto se fosse assim.»

— «Receio que nem sempre a contagem de pontos tenha sido feita da maneira mais justa. Já houve o tempo em que uma Tripulação de nossa antiga Flotilha que não ganhasse muitos pontos com os jogos, era capaz de compensar isso através dos pontos positivos adquiridos através do quesito presença. Saía-se vitoriosa afinal de contas.»

— «Felizmente isso foi corrigido mais tarde. Estar asseado e frequentar as reuniões, a menos que haja uma justificativa, é um compromisso que os escuteiros assumem quando entram na Unidade. Não lhes devemos dar pontos quando agem desse modo, mas, quanto aos quesitos asseio e presença, fazer uso de pontos negativos.»

— «Quiseste dizer justificativas e, não, desculpas esfarrapadas, certo?»

- "Imprevistos acontecem, mas sempre que possível o escuteiro deve comunicar sua ausência ao chefe com antecedência, por si mesmo ou através de seus companheiros de Patrulha. Quando houver uma justificativa (e não uma desculpa qualquer), não se deve descontar pontos do escuteiro em questão. Quanto ao uniforme, deve ser a mesma coisa.»

— «Algumas desculpas esfarrapadas são realmente engraçadas.»

— «De facto o são. Mas o chefe não deve aceitá-las ainda que possa rir-se da piada. Lembro-me daquele Moço que disse "Não pude vir com o lenço de agrupamento [no Brasil, cada agrupamento tem seu próprio lenço ou necker] hoje, pois minha mãe teve de o usar como fralda ao trocar a meu irmãozinho bebé" (e não é que o lenço era realmente todo branco?) ou "Eu só lavei meu uniforme ontem à noite e, hoje pela manhã, por incrível que pareça, ele ainda estava molhado"?»

— «Ele teve a semana toda para lavar o uniforme!»

— «Nesse caso, podemos dizer que era uma desculpa esfarrapada, porque lavar o uniforme só dependia dele; não era uma coisa sujeita a imprevistos.»

— «Mas, quanto ao quesito jogos, os pontos valiam mais.»

— «A contagem de pontos deve ter uma finalidade. Qual seria?»

— «Bem... manter em ordem a Secção e incentivar a competição entre Patrulhas.»

— «Que mais?»

— «Refrear algum escuteiro indisciplinado, talvez.»

— «Quanto à indisciplina, isso não se trata de competição entre Patrulhas. É uma coisa que tem a ver com um escuteiro apenas. A Patrulha, creio eu, não deve ser prejudicada por este ou aquele escuteiro menos aplicado. Além do mais, não devemos usar a contagem de pontos para resolver todos os problemas da Secção. Indisciplina e descumprimento da Lei Escutista são casos para o Conselho de Guias de Patrulha. Não substituamos uma coisa pela outra! Façamos também distinção entre comportamento "individual" e aquele "da Patrulha como um todo". Imagina que algum escuteiro não ligue importância alguma aos pontos que sua Patrulha perde por causa dele. É justo deixarmos que ele continue com isso? Creio piamente que os outros rapazes dessa Patrulha não mereçam isso se eles são esforçados!»

— «Mas que deve pesar mais? Os jogos ou a apresentação da Patrulha?»

— «Sem querer ser radical, creio que possamos abolir certos quesitos da contagem de pontos. Por exemplo: não deveríamos tentar compensar o baixo comparecimento dos escuteiros nas reuniões aumentando o valor dos pontos descontados por cada ausência. Se a frequência deles é baixa, o problema não está na contagem de pontos, nem aí tampouco deveria estar a solução. Quanto ao asseio, é obrigação do escuteiro ter o uniforme em dia. Se geralmente ele anda mais desleixado que impecável, ainda que sua Patrulha perca alguns pontos por isso, então o problema tampouco se encontra na contagem de pontos, porque não é um problema da Patrulha. O asseio é algo que o próprio Movimento exige de cada um em particular a fim de conservar uma boa imagem ante os olhos do público em geral, já que é representado por cada escuteiro que anda pelas ruas. Lembremos também que cada escuteiro leva igualmente consigo o nome de seu agrupamento. Talvez o chefe, através de uma boa conversa em particular, possa entender o que está a suceder. Se for puramente desleixo, isso deve acabar o quanto antes e o chefe não deve negociar, nem ceder um milímetro que seja, mas explicar a conveniência do asseio. Quanto a uma peça do uniforme que o escuteiro tenha perdido e, no momento, ele seja incapaz de substituir, então já são outros quinhentos e devemos achar a melhor maneira de resolver o problema.»

— «Parece que o asseio e a presença não devem ser resolvidos pela contagem de pontos, mas somente incentivados por ela.»

— «As Patrulhas que se saem melhor na prática de técnicas escutistas devem ser, invariavelmente, as campeãs da contagem (e não "chantagem") de pontos. O que deve vir em primeiro lugar é, sem dúvida, aquilo que chamamos de Escutismo. Se um escuteiro não anda asseado ou não cumpre a Lei, então não estamos a falar sequer de um autêntico escuteiro nem tampouco do verdadeiro Escutismo. Jogos de futebol que, eventual ou frequentemente, possam ocorrer numa Secção, não devem pesar na contagem de pontos, ainda que vivamos no País do Futebol. O que realmente deve pesar é tudo aquilo que se refira à cozinha, pioneirismo, socorrismo e tudo o mais que faça parte do conteúdo que um bom escuteiro deve saber. A contagem de pontos não deve, ressalto, ir por caminhos que se afastem disso.»

— «Pensando assim, faz muito sentido. Não queremos que a melhor Patrulha de nossa Unidade seja aquela mais hábil a jogar futebol, nem a mais comportada ou bem penteada. Asseio não se discute e assuntos que competem ao Conselho de Guias não se resolvem pela contagem de pontos.»

— «Vejo que és tão radical quanto eu nesse assunto.»

— «Parece que sim.»


2

— «Mas quanto ao tempo que deve durar a contagem de pontos, já pensaste sobre isso?»

— «Em nossa antiga Flotilha, a competição era anual. Que sugeres?»

— «A melhor ideia que já vi a esse respeito [a do cap. Roland Phillipps, in O Sistema de Patrulhas] prevê que um período muito longo pode desmotivar aquelas Patrulhas que ficam muito para trás na contagem. Um período de seis meses, pensando bem, parece-me razoável. Não é muito longo nem muito curto.»

3

— «Vejo que em breve teremos de providenciar um troféu para a Patrulha vencedora.»

— «Um troféu é realmente uma boa ideia, mas, invariavelmente, ele fica na sede do agrupamento. Uma bandeirola de eficiência é a primeira coisa que deveríamos oferecer-lhes. Ela, depois de fixa à vara do Guia, acompanha a Patrulha aonde quer que esta vá. A bandeirola, ou a lembrança da vitória, estaria assim sempre a saltar aos olhos de todos. Numa actividade fora, alguém perguntaria "Que significa essa bandeirola?" e o Guia teria prazer em responder que a Patrulha dele foi a melhor da Secção nos últimos doze ou seis meses.»

— «Tínhamos mais de uma bandeirola de eficiência. Havia a de melhor Tripulação em reuniões de Grupo, a de melhor Tripulaçao em actividades de campo, e também uma para caças ao tesouro. A de eficiência em actividades de campo era uma flâmula verde com o sinal de pista "acampamento nesta direcção" em cor branca, ao centro, de ambos os lados da flâmula.»

— «Esta última deveria ser disputada a cada acampamento de Unidade, mas creio que devêssemos levar em conta todas as actividades de campo também, desde que praticássemos técnicas escutistas. Actividades de campo só no nome, em que passamos o dia na praia em banhos de mar ou a jogar futebol, ou mesmo tendo jogos escutistas, mas só do tipo quebra-gelo ou "indoor", não deveriam ser levadas em conta.»

— «Concordo. Ela só era disputada em acamapamentos, até que eles foram escasseando e, por um motivo ou por outro, a disputa deixou de existir. Ela acabou por ficar na vara de tua Tripulação. Essas coisas só acontecem mesmo a ti! A bandeirola deve estar no mesmo lugar até hoje!»

— «Se está, é por esquecimento e não por mérito. Não vejo nenhuma vantagem nisso.»

— «Se recordo bem, nossas bandeirolas eram passadas de Tripulação a Tripulação. Mas, se a Tripulação campeã perde a bandeirola? Ou, ainda, se a bandeirola sofre algum dano durante o ano ou semestre?»

— «Devemos conversar com os Guias e propor-lhes algumas regras. Por exemplo: cada Patrulha é responsável pela bandeirola enquanto ela estiver sob seus cuidados. A Patrulha deve, apesar de qualquer imprevisto, ser capaz de manter a bandeirola em sua vara e entregá-la à próxima campeã quando for chegado o momento. Em todo caso, teremos uma bandeirola reserva, cópia fiel da original, mas isso será um segredo do chefe, por motivos óbvios. Se chegarmos a usá-la, diremos inclusive que foi feita da noite para o dia por uma costureira insone! Os escuteiros não devem ter menos cuidado com a original por lembrar que há uma para emergências, nem imaginar que não confiamos neles o bastante. O que não queremos é que a Patrulha vencedora do último ano ou semestre, quando for o momento de receber a bandeirola, fique sem o prémio que lhe é devido. Eis aí a conveniência de uma bandeirola reserva. Mas, se isso acontecer, a Patrulha que tiver perdido ou danificado a original, ainda terá o dever de fornecer uma bandeirola sobressalente ao chefe, de modo que sempre tenhamos uma como reserva para uma eventualidade.»

— «Creio que seja uma boa precaução. Quando assumi a função de Timoneiro, a bandeirola de minha Tripulação, com o animal totem, tinha um furo que, segundo a lenda, apareceu misteriosamente num acampamento depois de a vara ter sido deixada fincada no chão.»

— «Aquilo era buraco de bala! Alguém deveria estar a caçar por perto ou apenas de passagem e...»

— «Essa é uma das versões para o caso, na verdade nunca saberemos.»

Diálogo X

Sobre como adquirir material de campo, as primeiras actividades extra-sede, o primeiro acampamento de Unidade, a importância da experiência prévia, e o que o chefe Quim faria


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— «Eu estive a pensar", dizia Ròmeo, "como vamos adquirir o material de campo necessário para as actividades do Grupo Explorador?»

— «Se um agrupamento vive de mensalidades, é provavelmente daí que virá toda sua renda. Não herdaremos material algum, porque começaremos do zero. Mas, como o primeiro acampamento será apenas para uma Patrulha, já que os Guias devem ter alguma experiência prévia antes mesmo do primeiro acampamento de Unidade, não haverá problema algum. Podemos contar com nossas tendas. Para os chefes bastará uma. Para os rapazes, uma ou duas são suficientes. Isso depende do tamanho delas. Podemos, ainda, conseguir algumas tendas emprestadas se for o caso. Devemos ter em mente que adultos e jovens nunca compartilham a mesma tenda, e que cada elemento, adulto ou juvenil, tem seu próprio leito. Imagina um dirigente e uma dirigente que sejam namorados. O melhor momento para que compartilhem o leito não seria numa actividade escutista.»

— «Mas quanto a ter material próprio de campo?»

— «De um modo ou de outro, provavelmente teremos de o comprar. Para uma Patrulha de oito elementos, por exemplo, é boa ideia adquirir duas tendas, mas não duas com espaço para quatro ocupantes cada uma. Devemos imaginar que o quinto elemento pode muito bem ser representado pelas mochilas. Desse modo, duas tendas de cinco lugares cada uma seriam o ideal para uma Patrulha de oito, a não ser que realmente gostes de construir aqueles mochileiros do lado de fora da tenda. Em todo caso, se enviamos uma Patrulha de 5 elementos a uma actividade regional, sempre se pode dormir com as pernas sobre as mochilas, de maneira a não termos de levar duas tendas de 5 lugares cada uma para acomodarmos uma Patrulha de 5 elementos. Não é lá muito confortável, mas...»

— «Disseste "comprar". De onde viria o dinheiro? Não temos nenhum patrocínio à vista.»

— «Ao que tudo indica, nosso agrupamento viverá de mensalidades. Ao menos a curto prazo. Então suponhamos que tenhamos já um pequeno Grupo Explorador. Três Patrulhas com 7 elementos cada uma. Digamos que o valor da mensalidade seja de 4 Euros, o que não seria um valor alto. Em seis meses, teríamos cerca de 500 Euros para a compra de material de campo. É claro que ainda poderemos contar com nossas tendas e alguma ajuda extra, pois também já estamos a entrar em contacto com outros ex-escuteiros, hoje adultos, para que também sejam dirigentes no agrupamento, não estamos? Desse modo, precisaríamos de esperar meio ano até ao primeiro acampamento de Unidade, contado a partir do momento em que a segunda leva de novatos fosse convocada e começasse a pagar mensalidades. Em todo caso, como no início tudo parace menos fácil, podemos contribuir para a renda do agrupamento de algum modo. Por exemplo: as reuniões, bem ou mal, consomem algum dinheiro. O material para os jogos não costuma cair do céu e nem sempre pode ser adquirido gratuitamente. Para começar, poderíamos custear as primeiras reuniões. Não estamos a falar de nenhum valor elevado.»

— «Concordo. Acho que cada um terá de se esforçar um pouco e, no começo, nada é tão fácil assim.»

— «Então, vejamos se tu ainda concordas comigo. Nos primeiros meses, a prioridade seria adquirir o material de campo conveniente a uma Unidade?»

— «Certamente. E creio que já tenhamos um número suficiente de interessados para que comecemos, tanto em se tratando de dirigentes como de escuteiros.»

— «Sim, de facto já os temos. E que mais falta?»

— «Também já consegui autorização para usar as dependências de uma escola e, creio eu, num bairro que atende às nossas necessidades em matéria de recursos humanos, de acordo com aquele nosso primeiro diálogo.»

— «Bem... parece que já temos aqueles três elementos: sede, escuteiros e chefes.»

— «Que mais falta?»

— «Creio que já tenhamos um bom número de excelentes ideias para começar. Devemos constituir o Conselho de Pais e, além de seguir a burocracia necessária, planearmos nossas primeiras reuniões.»

— «Estou de pleno acordo. Mas quanto a criar uma Patrulha? Estou a falar do animal totem, por exemplo.»

— «É aconselhável que eles escolham somente animais que se encontrem em nossa região, no caso de uma Patrulha de exploradores, que é justamente o nosso caso. Podemos preparar-lhes uma lista. Isso os ajudará bastante. No caso de uma Equipa de pioneiros, [no Brasil] eles podem escolher um acidente geográfico ou uma tribo indígena. Quanto a um acidente geográfico, também seria de bom-senso eleger um que se encontrasse em nossa região. Um mapa ou carta topográfica ajudá-los-ia muito. No caso de uma Flotilha, escolhem-se animais marinhos (tubarão, etc.) ou relacionados com o mar (gaivota, etc.) que vivam na região. No caso de um Frota, é boa ideia escolher somente acidentes geográficos intimamente relacionados com o mar. Por exemplo: uma ilha, uma praia, uma restinga, uma ponta, uma enseada. De preferência, o mais perto possível da sede do agrupamento ou ao alcance da Equipagem. Quanto ao grito, todos devem ter uma letra curta, nada muito demorado, mas que seja uma espécie de cartão de visitas que a Patrulha usa para se apresentar. Devemos imaginar a reacção de outras Patrulhas, principalmente de outros agrupamentos, diante do grito de uma Patrulha.»

— «Quando entrámos para a Frota de nosso antigo agrupamento, já não havia Marinheiros, mas herdamos os nomes das Equipagens e as bandeirolas. Infelizmente não havia registo em lugar algum do grito de cada Equipagem.»

— «O que viemos a saber recentemente é que os gritos eram em Tupi-Guarani. Eis aí uma excelente ideia para gritos de Equipa, principalmente se for escolhida alguma denominação indígena como nome.»

— «Creio que muitas Equipas teriam tido inveja de nós se tivéssemos herdado esses gritos em Tupi-Guarani. Nunca tinha ouvido falar em nada parecido.»

— «Nem eu. Mas o grito sempre deveria ser composto na língua da denominação indígena escolhida. Seria muito estranho se fosse de outro modo. Em nossa cidade há índios, tu sabes, e talvez não seja díficil fazer uma visita à tribo (principalmente se formos até lá com funcionários do Concelho). Eles, os índios, seriam as melhores pessoas para nos dizer se conseguimos compor uma letra na língua deles. Não é difícil de encontrar uma gramática de Tupi-Guarani numa biblioteca pública, e talvez não seja difícil de achar os rudimentos da língua na Internet para compormos um simples grito.»

— «Realmente seria um diferencial.»

— «Seria uma tradição se começássemos assim. Afinal, uma tradição começa desde o primeiro dia e, em breve, deveremos ter um Grupo Pioneiro para receber os ex-elementos do Grupo Explorador.»


2

— «Agora, deixa-mo entender melhor. Depois de convocada a segunda leva de interessados para formarmos as primeiras Patrulhas, esperaremos ainda cerca de seis meses até ao nosso primeiro acampamento de Unidade, certo?»

— «Certo.»

— «Sendo assim, que faremos nesse ínterim? Outra Unidade não esperaria tanto assim...»

— «Teremos algumas saídas de campo, como excursões em que praticaremos de antemão muitas técnicas que utilizaremos no primeiro acampamento de Unidade. Lembra-te de que os ensinaremos com antecedência o máximo possível de coisas praticáveis num acampamento, como o uso de lampião e fogareiro, facão e machada e, principalmente, cozinha. Não queremos comer mal, queremos? Vejo que teu estômago concorda com o meu. Pois bem! Nos últimos três meses desse período de deis meses, também faremos aquele primeiro acampamento com os Guias e sub-Guias, de modo que não tenhamos um grande número de "pata-tenras" em nosso primeiro acampamento de Unidade e possamos deixar, o mais possível, cada Patrulha nas mãos de seus Guias e sub-Guias. Essa é a melhor maneira de não sermos babysisters. Desejamos ser chefes, estou certo? A profissão de babysister, embora muito bonita, não deve ser sinónimo de chefia. É claro que estaremos sempre lá para o caso de algum imprevisto, mas o objectivo é que eles aprendam a depender o menos possível de terceiros. Quanto mais uma Patrulha souber viver por conta própria, isto é, como unidade autónoma, melhor. Creio que para tudo isso seis meses não seja um período de tempo exagerado, mesmo que outra Unidade se lançasse a um acampamento logo no primeiro mês, deixando para depois, incrivelmente, as actividades mais simples, como as excursões.»

— «Tens razão. Há muito para ser feito antes, se desejamos seguir a ordem natural das coisas! Parece que a Inteligência manda agir assim...»

— «A primeira metada desse período de seis meses dará ênfase às reuniões de Grupo, de modo que os aspirantes da segunda leva possam ser instruídos a fim de fazer as provas da Etapa de Adesão. Nesse momento, já teremos as Patrulhas formadas (digamos três, com 7 elementos cada uma). Estaremos então a instruir a Secção através dos Guias. Será uma novidade para todos. E daremos início à competição entre Patrulhas. Quanto às saídas de campo, elas devem começar a ocorrer ainda na primeira metade desse período de seis meses, mas, mesmo nessas actividades, não deixaremos de instruir os aspirantes através de seus Guias para que façam as provas da Etapa de Adesão, propiciando-lhes nós, é claro, os respectivos jogos. Se antes desse período de seis meses havia reuniões com a primeira leva de interessados, eram reuniões de Patrulha aplicadas pelo chefe e o assistente. Quanto à instrução, instruíamos os rapazes como se fôssemos o Guia e o sub-Guia, e daí o veradeiro Guia e o verdadeiro sub lideravam suas metades da Patrulha durante os jogos. É boa ideia numerar os jovens de uma Patrulha, de modo que o número 1 seja o Guia e o 2, o sub; os restantes escuteiros recebem os números subsequentes. Sempre que a Patrulha for dividida em duas, os números ímpares ficam com o Guia, e os números pares, com o sub. Sobre essa numeração, q.v. Escutismo Para Rapazes. Mas, ainda naquele período inicial em que contaremos apenas com a primeira leva, já teremos algumas saídas de campo.»

— «Vejo que, em matéria de excelentes ideias, estamos bem servidos.»

— «Mas ainda não falámos tudo sobre o primeiro acampamento da Unidade. Falta polir algo aqui e ali...»

— «Creio que tenhas pensado um pouco mais a fundo sobre os cuidados que já mencionaste a esse respeito, de modo que tudo vá bem.»

— «Ou para que cheguemos o mais perto possível disso. Afinal, não queremos traumatizar nossos escuteiros logo na primeira grande actividade!»

— «Lembro-me de um Moço que, em seu primeiro acampamento, pediu que lhe deixassem voltar a casa. Alguma coisa não era o que ele esperava e, infelizmente, ele só descobriu isso no último momento. Aquela actividade, de facto, terminou com um escuteiro a menos.»

— «Antes que façamos nosso primeiro acampamento, devemos de facto realizar algumas actividades menores. Servirão como preparação. E mesmo essas actividades menores terão seus próprios preparativos, tanto quanto possível, através de reuniões favoráveis.»

— «Que queres dizer com reuniões favoráveis?»

— «Num acampamento normal, e não numa "borga de turistas", os escuteiros terão de praticar cozinha e pioneirismo, além de fazer uso de machadas, facões e lampiões. Também devem, obviamente, estar habituados a lidar com tendas e tudo o mais que seja necessário. Pois bem! Para tudo tem sua primeira vez, mas, definitivamente, um acampamento não é a melhor ocasião para os estreantes em cozinha, por exemplo.»

— «Claro! Queremos evitar o caos!»

— «Então, antes de acampar, devemos praticar cada uma dessas técnicas citadas anteriormente em actividades menores. Para isso, servem muito bem as excursões e saídas de campo em geral.»

— «Há chefes que diriam: — "Mas não é na prática que se aprende? Porque preocuparmo-nos com isso? Na hora tudo se ajeita!" Ou, para citarmos aqueles que conhecem nossas diretrizes e bases: — "No Movimento Escutista aprendemos fazendo!" Como se alguém nascesse sabendo cozinhar, fazer nós e trabalhos de pioneirismo!» diz Ròmeo, com bom humor. «Esses chefes certamente aprenderam com o grande chefe Quim!»

- "Uma coisa é aprender fazendo; outra é deixar os escuteiros completamente desassistidos quando precisam de nós! Além do mais, um chefe deve planear as actividades e reuniões de sua Unidade e, quando digo planear, não é apenas assinalar uma data no calendário; é fazer o programa de actividades ou reuniões, observando o que se quer a longo prazo. Definitivamente, não estou a falar de ver a relva crescer...»

— «Mas que poderíamos fazer de bom antes mesmo do primeiro acampamento de Unidade e dessas actividades menores?»

— «Por exemplo: nós os ensinaremos a fazer ligações durante as reuniões na sede. Numa actividade menor, em que não haja pernoite, farão uma pequeno trabalho de pioneirismo. Assim ganha-se tempo nessa actividade, porque ter-nos-emos preparado para ela durante uma reunião de Grupo na sede. Desse modo, pioneirismo não lhes será novidade em seu primeiro acampamento. E, se o tópico dessa pequena actividade for realmente pioneirismo, poderemos levar lanche frio de modo que não tenhamos de nos preocupar com cozinhar. Mas, se o tópico for cozinha de campo, então cozinhar será a principal coisa a fazer durante o dia. Porém, tudo que pudermos iniciar já na sede, durante as reuniões de Grupo, não deve ser deixado para depois.»

— «Então, realmente não haverá nenhuma novidade quando eles acamparem pela primeira vez?»

— «A grande novidade será praticar tudo isso numa só actividade. Queremos que eles se sintam o mais à vontade possível em actividades de campo. Não queremos, de modo algum, que eles sofram ou aprendam da pior maneira possível. O chefe Quim talvez dissesse: — "No meu primeiro acampamento, eu tive de me desenrascar sozinho e aprender tudo à pancada. Não vejo porque com meus escuteiros deva ser diferente. Creio que eu me tenha tornado um bom escuteiro afinal!"»

— «Da maneira como estás a falar, vejo que nossos escuteiros saberão melhor que o Quim Novato o que fazer quando estiverem acampados. Creio que assim não dependerão muito de nós e, sinceramente, não tenho vocação para babysister.»

— «Tão-pouco eu. Mas, ainda quanto a novidades, eles terão seu primeiro fogo de conselho, seu primeiro pernoite e seu primeiro jogo nocturno. Ainda assim, vamos ir quebrando o gelo aos poucos. Quando houver o fogo de conselho, é desejável que eles já estejam familiarizados com "sketches", por exemplo.»

— «O chefe Quim, ou melhor, a Mamãe Passarinho Quim empurra seus filhotes para fora do ninho antes que eles saibam voar.»

— «Seria uma óptima maneira de fazer tudo errado.»

— «Uma excelente maneira de dar com os burros n'água, queres dizer.»

— «Seguramente. Quanto mais concorremos para que eles adquiram habilidades num mínimo de técnicas escutistas que um acampamento exige, melhor.»

Diálogo IX

Sobre o chefe Quim novamente, o Aquelá Quim, contar vantagens sobre a própria Secção, ridicularizar as Secções contíguas, evasão no Movimento Escutista, mais algumas do chefe Quim, e bolsas de ajuda


1

Tinham voltado à caricatura surgida no diálogo anterior. O mote «castigat ridendo mores» tinha-lhes apetecido e, de facto, é uma óptima maneira de pôr fim a certos hábitos. Acima, o dia era azul e claro.

— «O chefe Quim, ou melhor, o Aquelá Quim geralmente diz a seus lobitos: — "Nossa Alcateia é um paraíso na Terra, onde mana leite e mel, mas no Grupo Explorador vocês verão o que é suar a camisola. Lá é que hão-de penar com tarefas pesadas, descascando batatas e cavando latrinas!" ou: — "Aproveitem a Jângal enquanto é tempo, pois logo virá a cidade dos homens e nada mais será tão bom como agora", etc. Creio já que tenhas apanhado o espírito da coisa.»

— «Alguns lobitos sabem o que são batatas, principalmente quando já estão cozidas ou fritas, de preferência fritas, mas às vezes é uma novidade para o vocabulário deles a palavra "latrina". O Aquelá está a falar a verdade? O.K.! Mas daí a amedrontá-los, falando sobre a futura Secção como um profeta que anuncia o fim do mundo, ou retratá-la como se fosse o próprio inferno, isso já é uma grande maldade. Alguns chefes realmente não se referem às Secções posteriores empregando os melhores termos. O chefe explorador Quim diria algumas palavras semelhantes a respeito da 3ª Secção.»

— «E então, quando é chegado o momento, os lobitos deixam a Jângal como se fossem Adão e Eva naquela pintura de Masaccio, tristemente retrados quando expulsos do Paraíso, se é que os lobitos cometeram algum pecado. Ou, quando eles completam os 11 anos, fogem ao Grupo Explorador como o diabo da Cruz, e o Movimento perde então alguns escuteiros, como se nos pudéssemos dar a esse luxo!»

— «"Pedoai-lhes, eles não sabem o que fazem!"» diz Ròmeo, de bom humor.

— «Talvez eu tenha exagerado nas palavras que usei, mas a caricatura é a melhor maneira de realçar um problema e deixá-lo à vista dos mais míopes. A maioria dos chefes Quim pode ser bem mais subtil do que a caricatura que te apresentei. Mas as imagens que vão sendo plantadas nas mentes dos lobitos ou exploradores são exactamente as mesmas. A ideia que fica é a de que a Secção seguinte será sempre pior do que a actual. Isso deve ser evitado a todo custo e por vários motivos. Em primeiro lugar, não estaríamos a falar a verdade assim. Sempre que avançamos uma Secção, estamos a evoluir no Movimento. Um bom chefe deve incentivar os elementos de sua Unidade a passarem para a Secção subsequente quando for chegada a hora.»

— «Mas o chefe Quim...» diz Ròmeo e ri-se.

— «O chefe Quim, por um motivo ou por outro, não deseja que seus escuteiros se divirtam tanto na Secção posterior como se divertiram na sua. Muitos chefes sentem-se honrados quando um ex-lobito diz: — "O Grupo Explorador não está a ser tão bom como a Alcateia. Penso até em sair do agrupamento." E então o chefe Quim (neste caso um Aquelá) já pode gabar-se, dizendo discretamente a seus botões ou em alta voz a quem quiser ouvi-lo: — "Sou um excelente chefe, porque só na minha Secção os rapazes realmente aproveitam o Movimento Escutista e divertem-se!»

— «Muitos rapazes assustam-se tanto com isto ou aquilo que um adulto lhes diz, que chegam a temer a Secção seguinte. Muitos chefes têm sempre alguma história para contar. Geralmente alguma actividade pouco feliz.»

— «Ou mesmo uma actividade prazerosa, mas pintada com outras cores. Uma caminhada que para exploradores pode ser uma óptima actividade, para lobitos pode parecer pouco atractiva (especialmente se lhes dissermos a extensão do percurso). Cada Secção tem suas actividades características, de acordo com o desenvolvimeto físico e mental de cada faixa etária. É natural que aquilo que os exploradores fazem possa não parecer tão atractivo para a Alcateia.»

— «Então, não sejamos como o chefe ou o Aquelá Quim.»

— «E, se houver um em nosso agrupamento, dar-lhe-emos um jeito.»

— «Não estás a pensar em...?»

- "Oh, não! Nenhuma medida extrema como o afastamento dele ou coisa parecida. Penso que uma boa conversa em particular possa resolver o problema. Creio que muitos chefes Quim não tenham a exacta consciência do que fazem. Alguns talvez não saibam sequer explicar o porquê de seu comportamento, mas, se lhes perguntarmos se seus antigos chefes agiam de igual maneira, provavelmente a resposta será "sim". São hábitos herdados. Como eu já te disse noutro diálogo, a maioria das pessoas herda ideias e não pára para pensar a respeito. Essas pessoas crêem piamente que essas ideias estejam certas e não admitem de modo algum a hipótese de estarem a agir de maneira errada. Mas, infelizmente, acontece que a maioria das ideias herdadas pode estar errada, e geralmente está.»

— «Daí a conversa que devemos ter com o chefe Quim em particular.»

— «Essa conversa deve ser uma preocupação do chefe de agrupamento. Ele deve ter o cuidado de orientar os chefes de Unidade a esse respeito. Afinal, quem deve cuidar do agrupamento como um todo é ele. E nós realmente queremos um senhor agrupamento e, não, uma manta de retalhos mal costurada. De facto desejamos que todos os rapazes passem por todas as Secções até que possam chegar à chefia, e de preferência de maneira prazerosa. O momento em que a maioria dos jovens abandona o agrupamento é, justamente, durante a passagem de Secção. A evasão nunca é maior noutro momento! Vês assim a importância de incentivar os rapazes e, não, atemorizá-los? Consegues entender agora o valor de uma boa ligação 1ª/2ª Secção, ou de uma óptima ligação 3ª/4ª Secção? Infelizmente alguns jovens sequer passam por esses momentos de transição (cujas consequencias são obviamente práticas) e são lançados abruptamente de uma Secção a outra, "ex abrupto" como mudar da água para o vinho, mas, mesmo em se tratando do "licor de Baco" de que gostamos, ele ainda leva algum tempo nos barris de carvalho até que esteja pronto para seguir adiante. Não imagino que possamos fazer como Jesus. Também penso que, se o julgar necessário, o chefe de agrupamento deva conversar com os escuteiros que nos próximos meses passarão para outra Secção.»


2

— «Creio que ridicularizar as outras Secções também seja uma péssima ideia. Até aqui estávamos a falar de atemorizar, não estávamos? O.K.! Imagina que um rapaz já tenha 11 anos e por isso entra imediatamente num Grupo Explorador, isto é, ele nunca passará pela Alcateia como lobito. Certamente, ele poderia incentivar algum colega ou primo mais novo a entrar para a Jângal, mas, como o chefe explorador provavelmente estará a dar o troco ao Aquelá Quim ridicularizando a Alcateia, esse rapaz não desejará isso a um amigo ou parente. Nesse caso, o tiro do Aquelá Quim terá saído pela culatra! Se o seu rival imediato, o chefe explorador Quim, decide ridicularizar o Balu (oh, o Balu! que gute, gute!) e a Jângal de Rudyard Kipling, o chumbo trocado entre eles pode muito bem ter este resultado: ambos os duelistas feridos e nenhum vencedor afinal de contas!»

— «E esse escuteiro de 11 anos, depois de adulto, estaria à vontade para ser chefe numa Secção que ele mesmo considera ridícula?"

— «Receio que não.»

— «Certamente que não! Devemos dar todos os motivos do mundo para que os jovens falem bem do agrupamento e não só desta ou daquela Secção. Os rapazes crescem e, tu sabes, os filhos deles também poderão fazer parte de nosso agrupamento. Nesse caso, um escuteiro que nunca tenha sido lobito não deve ter uma opinião desfavorável sobre a Alcateia. Queremos que eles entrem para o agrupamento o quanto antes. Recorda que quanto mais laços, melhor...»

— «E que mais o chefe Quim poderia fazer?»

— «Muitas coisas. Por exemplo: durante uma reunião de Grupo, um chefe aplicará um jogo de pistagem. Algum assistente usa giz e vai riscando os sinais aqui e ali pelas ruas do bairro. Ele desenha um sinal de "caminho a seguir com transposição de obstáculo" apontado para um muro (o muro da sede, é claro) ou, se ele quer fazer uma piada, apontado para uma lomba numa das ruas pouco movimentadas de um bairro residencial. Até aqui, nada de mais. Entretanto, o chefe Quim nunca aplicaria esse jogo num acampamento ou actividade de campo. O chefe Quim realiza jogos de campo na sede e, francamente!, jogos de sede nas actividades de campo! Já falamos noutro diálogo que cada tipo de jogo exige certo ambiente ou determinada condição. Pois bem! Uma Secção que raramente acampa deveria aproveitar seus acampamentos da melhor maneira possível, isto é, realizando o maior número de jogos de campo que puder e, obviamente, deixando o futebol para ocasiões mais oportunas.»

— «Realmente faz sentido. Há Unidades que raramente acampam e, quando o fazem, comportam-se como se estivessem na sede. O chefe Quim deveria ser proibido, para o bem dos escuteiros de uma Secção!»

— «Um bom chefe de agrupamento apanhará os chefes da família Quim que existirem por lá, pois ninguém está livre desse infortúnio, e aparar-lhes-á as arestas aqui e aqui, pacientemente, com muitas conversas e exemplos, até que lhes possa extirpar o sobrenome Quim.»

— «Vejo que um chefe de agrupamento deve ser muito paciente.»

— «Um chefe de agrupamento deve ser capaz de aconselhar os chefes de Unidade e, pacientemente, ser capaz de se recostar numa boa cadeira e cruzar as pernas como manda a etiqueta, acender seu velho cachimbo (caso o fume) como se estivesse num fim de tarde e não houvesse nada mais para fazer. Uma conversa deve durar o tempo que for necessário e um bom chefe de agrupamento saberá ouvir mais do que falar. Conselhos prontos e frases feitas não ajudam muito. E, se antes falei em "muitas conversas e exemplos", eu quis dizer que, quando alguém não entende uma abstracção, devemos oferecer-lhe um bom exemplo ou quadro pintado. Uma coisa é dizer que cada tipo de jogo requer um ambiente diferente; outra coisa é dizer que o chefe Quim realiza jogos de cidade no campo e jogos de campo na cidade. Um bom chefe de agrupamento tão-pouco deve resolver todos os problemas de seus chefes de Secção, mas deve, antes de tudo, ajudá-los a pensar e a decidir, fazendo-lhes muitas perguntas depois de ter ouvido as queixas deles, abrindo-lhes os olhos para este ou aquele ponto. Sendo assim, digamos que o chefe explorador tenha dificuldade de manter os lobitos que passam para o Grupo Explorador, porque estes evadem-se do agrupamento poucas reuniões depois. Um astuto chefe de agrupamento perguntaria ao chefe explorador, entre outras coisas: porque eles (os ex-lobitos) deixam o Grupo Explorador? Tu (chefe de Unidade) consegues identificar o motivo? E, se o motivo é este ou aquele, como anular isso? Que poderias tu fazer? Já tiveste uma conversa com os Guias ou com o Grupo para que eles não amedrontem os lobitos e tenham um cuidado especial com quaisquer aspirantes, ex-lobitos ou não, porque o agrupamento quer diminuir a evasão? Não há ligação de Lobito a Explorador como deveria haver? Já conversaste com o responsável pela Alcateia? No que eu (chefe de agrupamento) poderia ajudar-te? Gostarias de minha presença durante essa conversa? etc., etc., etc. O objectivo é ajudar os chefes de Unidade a achar a solução do problema e, não, fazer isso por eles, pois o objectivo é auxiliá-los como "actor coadjuvante" e, não, como "actor principal". O chefe de agrupamento só deveria interferir directamente numa Unidade em casos excepcionais.»

— «E que mais o chefe Quim seria capaz de fazer numa Secção? Decerto, tens outros exemplos.»

— «Tantos quantos sejam as estrelas no céu, infelizmente. Mas nada que não possa ser corrigido. Errar é humano, todos sabem, "errare humanum est", e não somos superiores a ninguém, mas o facto é que poucos sabem que estão a errar ou, se o sabem, não identificam muito bem onde está o equívoco de modo que o possam corrigir. Alguns sequer gostam de procurar ajuda ou de admitir que precisam dela. Mas a meta é justamente evitar esses erros. Os chefes Quim são, na verdade, "pata-tenras" e devem evoluir. Os chefes não nascem prontos e devem receber conselhos aqui e ali até que possam andar com as próprias pernas. Há dirigentes que nunca foram escuteiros, nunca consumiram literatura escutista, nunca frequentaram um curso (embora assumam uma Unidade) e fazem do Escutismo o que eles acham que dever ser e, não, o que ele realmente é. Noutras palavras: "não sei, não quero saber e faço do meu jeito!" É pena que seja assim. "Todo o mundo é composto de mudança, / Tomando sempre novas qualidades", como diria aquele poeta, mas nada acontece sem esforço. A boa vontade deve ser uma coisa prática ao invés de se limitar ao mundo das ideias. Mas vamos lá. Queres outros exemplos... Penso que poucas coisas sejam mais abomináveis do que adiar a entrega de uma insígnia. Se um rapaz se esforçou por cumprir, digamos, os requisitos de uma competência, o chefe também deve esforçar-se para entregar-lhe a insígnia correspondente através da devida cerimónia, além de se mostrar contente com isso. Devemos manter os rapazes entusiasmados, e nada seria mais contrário a isso do que adiar a entrega de uma insígnia. Seria uma bela forma de desestimular os outros elementos da Secção a realizar qualquer prova. Os escuterios não devem duvidar de que receberão o que lhes é devido. Um típico chefe Quim, quando interpelado, responderia: — "Achas que vou à loja da Região todos os dias?! Se esperaste até agora, espera um pouco mais!" Ou, fazendo uso do bom humor, diz alguma piada e foge ao assunto. Um bom chefe, quando não vai à Região regularmente, deve adquirir alguns distintivos e insígnias de antemão. Mais cedo ou mais tarde, eles sairão da gaveta e habitarão o uniforme de algum escuteiro esforçado. Só numa Secção não muito boa o chefe teme que os distintivos e insígnias comprados de antemão criem mofo dentro de alguma gaveta. Tanto quanto possível, o agrupamento deve fornecê-los gratuitamente. Será um grande estímulo. Um rapaz não deve ter em mente que os comprou, ainda que isso aconteça indirectamente através do pagamento de mensalidades. Quanto à cerimónia de entrega, ela deve ser realmente solene. O chefe Quim realiza a entrega de um distintivo ou insígnia após um jogo agitado, quando todos estão sem a camisa e suados. Mas poderia ser ainda pior. O chefe Quim poderia fazer alguma piada ou relembrar algum momento embaraçoso do escuteiro em questão. Sabes como os adolescentes são inseguros, principalmente quando a gozação parte de um adulto. Todos já fomos "pata-tenras" alguma vez e, creio eu, já passamos por momentos de embaraço. Entretanto, uma cerimónia não é a ocasião mais adequada para relembrar esses infortúnios. O escuteiro deve sentir-se orgulhoso com a cerimónia e, não, humilhado ou embaraçado. O chefe Quim, algumas vezes, aproveita ocasiões como essas para aparecer mais do que a figura principal. Nada mais triste.»


3

— «E que mais um chefe Quim faria?»

- "Algumas vezes, não é possível enviar todos os escuteiros de uma Secção a uma actividade da Região. Apenas um ou outro de cada Patrulha pode participar. Então, juntam-se seis ou oito escuteiros, geralmente os Guias e os sub-Guias, e eles formam a Patrulha que representará a Unidade na dita actividade. Eis aí uma solução que só deve ser adoptada em último caso. Mas o chefe Quim não procura evitar tal coisa; pelo contrário: isso é de seu agrado e ele pensa: "Estou a enviar a nata de minha Secção à actividade e, desse modo, haverá maiores probabilidades de eles se sairem bem diante das outras Patrulhas.»

— «Realmente. Uma Patrulha formada só pelos Guias e sub-Guias...»

— «Parece uma boa ideia. Mas só parece. Pensa bem: que Unidade é essa da qual só podemos aproveitar meia dúzia de rapazes? A meta deve ser, invariavelmente, enviar todas as Patrulhas de uma Secção às actividades da Região ou qualquer actividade que seja. Não devemos ficar felizes quando só é possível enviar alguns.»

— «Já tinhas falado de uma Patrulha formada só pelos Guias para fins de instrução. Não seria o caso?»

— «Seria o último caso seleccioná-los para uma actividade regional ou nacional. Essa Patrulha formada pelos Guias só existe para fins de instrução. Todos sabemos que os chefes mantêm mais contacto com seus Guias do que com os restantes elementos, e é através de seus Guias que os demais são instruídos. Isso justifica a existência de Patrulhas formadas só pelos Guias para fins de instrução.»

— «Entendo. O objectivo, a bem dizer, é levar instrução à Secção inteira através dos Guias e, não, pensar apenas neles.»

— «Exactamente! Acabas de entender tudo! Nas reuniões de Grupo, por exemplo, instruímos só os Guias e, depois sim, deixamos que cada um deles instrua sua Patrulha para que em seguida tenhamos um jogo cobrando a instrução dada. Não recordo que, justamente no momento do jogo, os não-Guias sejam deixados de lado!»

— «Mas, se alguns escuteiros não têm condições financeiras de comparecer nessas actividades da Região, que devemos fazer?»

— «Em primeiro lugar, as actividades devem ser anunciadas com o máximo de antecedência. Os pais também devem ser informados, no momento em que inscrevem seus filhos no agrupamento, de que essas actividades existem e que, invariavelmente, elas exigem algum dinheiro. Desse modo, nada lhes será surpresa e, bem ou mal, todos terão tempo de poupar alguma quantia se realmente desejam participar neste ou naquele evento. Se há muitas actividades no calendário da Região, de modo que uma Secção não se sinta em condições financeiras de participar em todas, seus escuteiros devem entrar em acordo sobre em quais delas eles desejam comparecer. Assim é mais provavel que Patrulhas inteiras representem a Secção nessas ocasiões. Seria diferente se cada escuteiro procurasse ir a uma actividade distinta, em que ele não veria presentes os restantes elementos de sua Patrulha.»

— «Mas suponhamos que uma Patrulha realmente não possa participar inteira numa actividade. Que se pode fazer nesses casos?»

— «Há mais de uma solução possível.»

— «Qual seria a primeira?»

— «Suponhamos que um escuteiro tenha levantado dinheiro suficiente apenas para arcar com metade dos gastos da actividade. Nesse caso, o agrupamento poderia conceder-lhe uma bolsa-actividade que cobrisse 50% do valor total. O chefe de Unidade deveria então julgar se o escuteiro realmente não tem condições de custear 100% das despesas; e o rapaz beneficiado, via de regra, teria seu nome mantido em segredo. Um chefe que conhecesse bem seus escuteiros saberia fazer esse tipo de avaliação e caberia ao agrupamento reservar, digamos, de 3% a 5% do valor de sua renda para esse fim, ainda que sobrevivesse de mensalidades. A longo prazo haveria uma quantia razoável para essa finalidade. Também poderia haver, é claro, uma bolsa com o valor de 100% da actividade ou qualquer valor necessário para a participação do jovem no evento.»

— «É uma boa ideia. Mas algumas pessoas podem chamar isso de... perdoa-me a palavra; não me ocorre outra... "esmola".»

— «Sinceramente, podem. Mas tão-pouco queremos distribuir esmolas em nosso agrupamento. Queremos, sim, que os escuteiros mereçam essa ajuda. Talvez eu tenha uma história que ilustre bem o que digo. Havia uma Patrulha, certa vez, e um de seus elementos morava longe de modo que ele gastava uma quantia considerável com o transporte à sede do agrupamento. Ele pertencia a uma família pobre e essa soma, numa certa época, pesou tanto no orçamento familiar que seus pais decidiram tirá-lo do agrupamento. O Guia, como tinha um padrão de vida mais abastado e temendo perder um bom explorador que ajudava sua Patrulha a vencer os jogos, passou a pagar as despesas de transporte de seu escuteiro. Para esse Guia, não era uma despesa, mas um investimento que lhe dava lucro. Aquele bom explorador realmente faria falta à sua Patrulha para vencer as outras nas competições da Unidade. Isso, de modo algum, poderia ser chamado de esmola.»

— «Um agrupamento poderia fazer a mesma coisa, tanto quanto lhe fosse possível, e de modo que as Patrulhas pudessem contar com um número mínimo ou conveniente de escuteiros quando houvesse uma actividade regional. Geralmente os organizadores desses eventos aceitam como Patrulha exploradora qualquer conjunto de 5 a 8 exploradores, ainda que uma tal Patrulha [no Brasil] deva ter de 6 a 8 elementos.»

— «Seria um investimento no moral da Secção e na imagem do agrupamento. Afinal, queremos fazer bonito diante de outros agrupamentos. Teremos um nome a zelar, reflecte bem.»

— «Vejo que há solução para tudo!»

- "Geralmente há, principalmente onde existem mangas arregaçadas e boa vontade. Mas falta dizer uma coisa importante. Os pais de um escuteiro beneficiado também devem ter em mente que não se trata de esmola. As pessoas mais orgulhosas (e em geral são justamente as mais pobres) se ofenderiam com a possibildade de se tratar de uma esmola e, assim, jamais aceitariam o benefício. Tão-pouco queremos que os pais se sintam mal com a oferta. Mas, nesses casos, há algo que sempre trago em mente: as pessoas que não precisam pedem sorrindo; mas as que realmente precisam sentem-se às vezes tão envergonhadas que não pedem, de modo que nós é que devemos oferecer-lhes ajuda quando achamos por bem o fazer.»

— «Mas quanto ao valor de 3% a 5% que sugeriste. Qual o motivo dele?»

— «Num agrupamento patrocinado pode ser muito diferente, mas imagina um que sobreviva exclusivamente de mensalidades.»

— «Creio que a maioria dos que conhecemos seja assim. Por favor, continua.»

— «Se tivermos um agrupamento médio (de 100 sócios, digamos) e suposto que o valor da mensalidade seja de 4 Euros, então teremos uma renda de 400 Euros mensais. Cinco por cento desse valor equivale a 20 Euros por mês. Parece pouco, mas via de regra não participamos em actividades da Região todos os meses, e essa quantia se acumularia unicamente para o fim da bolsa-actividade. Em dez meses esse valor chegaria a 200 Euros.»

— «Devemos ter em mente os inadimplentes, não é?»

— «O pior erro nesse caso é deixar que a dívida se acumule. Pois quem não pôde pagar um mês de mensalidade, poderá pagar de uma vez dez meses? É claro que podemos parcelar a dívida, mas o que acontece é que nós mesmos julgamos que não devemos cobrar uma dívida pequena, quando se trata de um mês ou dois de atraso, sob pena de sermos chamados de mesquinhos. "Chamar os pais à sede do agrupamento por causa de 4 Euros? Nem pensar!" alguns dizem tolamente. Todo o mundo gosta da fama de benevolente, não gosta? Mas, para cobrar a dívida ou não, devemos ter uma conversa com os pais. Se houver um motivo sério, saberemos logo e descobriremos a melhor maneira de ajudar. Mas, se for apenas uma desculpa esfarrapada, pelo menos teremos colocado o espertalhão para sorrir amarelo. Alguns têm até o dinheiro da mensalidade em mãos, mas eles próprios dizem entre si que é tão pouco que no próximo mês pagarão duas mensalidades de uma só vez, mas, passados alguns meses, eles acham que o valor acumulado é alto demais. E estou a falar de mensalidades baixas, de uns 4 ou 6 Euros! Para essas pessoas, a maior multa que pode haver não seria cobrar 10% sobre o valor da mensalidade por cada mês de atraso, como é de praxe, mas seria (em vez disso) fazê-los vir à sede do agrupamento, e quero dizer pessoalmente. Uma conversa por telefone estaria fora de questão. Essas pessoas geralmente dão pouco valor às coisas, para que não as chamemos de inconsequentes, pois para elas é muito simples tirar os filhos do agrupamento e metê-los num clube de judo, por exemplo, para que não tenham de pagar a dívida e (como sucede) ainda podem facilmente falar mal do agrupamento. Mas por outro lado elas odiariam ter de se deslocar até à sede quando poderiam estar a participar num churrasco, por exemplo, ou simplesmente a fazer nada em casa. Seria uma multa e tanto para elas! São pessoas que, via de regra, têm dinheiro e o nariz empinado. E, sinceramente, não é uma multa de 10% sobre o valor da mensalidade que fará com que paguem alguma coisa em dia. São diferentes daquelas pessoas que, não podendo pagar, se sentem envergonhadas a ponto de tirar o filho do agrupamento. E, num caso extremo, se tivermos que suspender ou desligar um jovem, devemos pensar que os rapazes podem ser extremamente comprometidos com o agrupamento, mas não os pais. Sendo assim, se esses rapazes tão apegados ao agrupamento não podem meter algum juízo na cabeça de seus pais quando é necessário, nós, pelo bem desses escuteiros, deveríamos tomar algumas precauções como estou a dizer.»

— «Vejo que até a cobrança de mensalidades possui seus segredos. Até isso!»

— «Infelizmente sim. Além do mais, esses que ficam meses, às vezes anos sem pagar, podem muito bem desestimular aqueles que pagam em dia. E, se cobrássemos alguém que sempre esteve em dia, ele simplesmente poderia responder-nos: — "Se quem deve há um ano continua no agrupamento, quem deixou de pagar um mês é que será suspenso?" E teríamos que baixar a cabeça então, se é que somos justos e podemos sentir alguma vergonha. Agora, mais precisamente sobre tipos de pagadores e de devedores, vê que curioso: há os que estão sempre em dia com o agrupamento e às vezes não têm dinheiro para ir a uma actividade, porque são pobres e pagam religiosamente as mensalidades. E há os inadimplentes profissionais, que às vezes vão a um evento da Região justamente com o dinheiro acumulado do calote. O que deveríamos temer é o que diz este texto de Rui Barbosa: "De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça (...), o homem chega a rir-se da honra, desanimar-se da justiça, e ter vergonha de ser honesto."»

— «Vejo que a pior coisa a fazer é realmente deixar que a dívida se acumule.»

— «Mas, apesar disso, talvez ainda possamos fazer algo para incentivarmos os rapazes a participarem nas actividades regionais: eximir seus pais do pagamento de mensalidades no mês do evento, desde que tenham mais de um filho no agrupamento, e desde que mais de um filho vá à dada actividade, é claro.»

Diálogo VIII

Sobre panos de fundo, o chefe Quim, o espírito escutista, e algumas sugestões de livros


1

— «Talvez o maior equívoco que um chefe pode cometer», dizia Bravo, procurando encontrar a melhor maneira de o dizer, «seja não compreender muito bem como se sentem seus escuteiros diante de um jogo ou acampamento. O entusiasmo, numa Secção, é essencial; e, numa Unidade de poucos recursos, às vezes é tudo! O chefe deve ser capaz de verificar que pano de fundo é o mais conveniente para motivar seus escuteiros em relação a um jogo, por exemplo.»

— «Já havias falado sobre panos de fundo. Queiras explicar-mo melhor.»

— «Melhor do que explicar, darei alguns exemplos do que fazer e, principalmente, do que não fazer.»

— «Os exemplos do que não fazer costumam ser os melhores...»

— «Quem já leu Escutismo Para Rapazes sabe quem é o Quim Novato que aparece nesse livro. Pois bem! Eu direi que há não só escuteiros como o Quim, mas também chefes. Entretanto, antes de continuar, deixa-me reproduzir algumas palavras sobre o escuteiro Quim quando vai acampar:

»"O Quim, ao chegar ao campo, prevê grandes alegrias;
»"E descobre, enfim, que as tendas são seguras por espias!"

»[BADEN-POWELL DE GILWELL, Lord. In: Escutismo Para Rapazes. Tradução: SANTOS, Dr. José Francisco dos. Portugal, Edições Flor de Lis, 1946. p. 113.]»

Bravo continua:

— «Para ilustrar esse par de versos, há uma caricatura: um escuteiro que tropeça num cabo [espia, segundo o dístico: nota que são 15 sílabas poéticas em cada verso, sendo tónicas a 5ª, a 7ª, a 11ª e, obviamente, a 15ª] e estatela-se com mochila, lampião e toda uma série de pequenas coisas que trazia.»

— «Então, nem todos os chefes são perfeitos? Oh, eu já sabia!»

— «Há chefes que são verdadeiros "pata-tenras".»

— «Mas tu ainda me deves alguns exemplos do que fazer.»

— «Num jogo como os Fugitivos [que aparece na obra citada, à p. 150], o chefe Quim diria: — "Os escuteiros que são do grupo dos seguidores... e os escuteiros que são da equipa dos fugitivos... devem poceder desta ou daquela maneira." Ora! Os escuteiros devem crer, ao menos durante o jogo, que não há escuteiros ali, mas, sim, perseguidores e fugitivos. Recorda que naquela adaptação de "Alarme: Agarra que É Ladrão" [op. cit., p. 69], sobre a qual falámos noutro diálogo, eu disse àquele Moço "Tu és o espião!" em vez de lhe dizer "Tu és o escuteiro que fará o papel de espião neste jogo aqui" ou "O espião serás tu, Fulano: vence teus amiguinhos de Secção e tem cuidado para não amarrotares o uniforme".»

— «Realmente não é a mesma coisa. Mas quanto à história por detrás do jogo: não é isso que chamam de pano de fundo?»

— «Naquela adaptação, em que esse "Agarra que É Ladrão" de B.-P. tornou-se aquele meu "Agarra que É Espião", a história por detrás do jogo foi o cerco de Mafeking. É preciso ter em mente o cerco e entender o que se passava entre os sitiados e os boeres. Caso os jogadores não conheçam a história, ela pode muito bem ser-lhes transmitida num fogo de conselho, por exemplo, ou quando o chefe reúne seus escuteiros ao fim do dia num acampamento. No dia seguinte, basta lembrar-lhes a história e dizer-lhes "Tu és o espião!" ou "Defendam a bandeira no alto do morro!" (então eles entendem porque o chefe havia fincado aquele pedaço de pano lá).»

— «E que mais o chefe Quim faria?»

— «Ainda em relação a panos de fundo, deve-se esquecer palavras como "jogo" e "jogadores" durante um jogo. É como um filme ou uma história literária. Não deves ter em mente o tempo todo que se trata de faz-de-conta. Pelo contrário: quanto mais os escuteiros levarem a sério o pano de fundo, melhor. Uma pequena história e o vocabulário empregados são essenciais. Vê bem: qual a primeira coisa que fazemos quando queremos aplicar um jogo do Kim?»

— «Juntar um monte de quinquilharias, algumas folhas e canetas e...»

— «Não, não! Eu quero dizer antes disso.»

— «Antes do próprio jogo?»

— «Sim. Pensa.»

— «Bem... creio que devamos contar uma pequena história, mas nem sempre é o que acontece. Há até quem ache isso desnecessário.»

— «É uma pena que alguém pense assim. A história por trás do jogo deve ser contada de modo que os escuteiros se interessem pelo que virá a seguir. Ou, melhor ainda, de modo que eles se entusiasmem. Memorizar um monte de quinquilharias seria uma coisa realmente sem graça e, às vezes, de facto o é em algumas Unidades, porque os escuteiros crêem piamente que seja exactamente isso o que estão a fazer. Infelizmente muitos rapazes jogam o Kim sem conhecer a história de Kimball O'Hara. Por outro lado, se antes de começarmos o jogo tivermos o pequeno cuidado de lhes contarmos a história de Kim, isto é, a história que explica as razões de o jogo ser daquele jeito, então os escuteiros, muito provavelmente, não verão à sua frente apenas quinquilharias. Cada escuteiro deve sentir-se o próprio Kimball O'Hara e, por sua vez, o chefe que aplicar esse jogo deve acreditar que é o próprio Lurgan! Um chefe entusiasmado, eu te garanto, vale por dois. Da mesma forma, um escuteiro apático não rende como deveria. O próprio Movimento Escutista tem seu pano de fundo. Lê (ou relê) Escutismo Para Rapazes e vê quantas vezes B.-P. evoca exemplos a fim de incentivar os jovens a serem escuteiros. Logo nas primeiras linhas do livro, ele diz: — "O explorador do exército (o antigo escuta) é, geralmente, como sabeis, um soldado escolhido pela sua capacidade e coragem (...)" e, mais adiante um pouco, no parágrafo seguinte: — "Mas, além de exploradores de guerra, há também explorados pacíficos — gente que em tempos de paz realiza trabalhos que exigem igual coragem e engenho." E, depois de ter falado do cerco de Mafeking, desafiou os leitores: — "Serias tu capaz de fazer outro tanto?" [op. cit., respectivamente pp. 3 e 11]. Ele, em Escutismo Para Rapazes, usa inúmeros panos de fundo. Eu te posso fazer uma lista:

»1) Exploradores do exército;
»2) Kimball O'Hara;
»3) O cerco de Mafeking;
»4) A cavalaria medieval;
»5) O crime de Elsdon;
»6) A polícia rural Sul-Africana; etc.»

Bravo continua:

— «Eu poderia citar outros exemplos de Escutismo Para Rapazes, mas, como creio que o vás ler caso não o tenha feito ainda, deixarei que percebas outros exemplos sozinho, incluindo os mais subtis. Mas, a terminar, permite-me lembrar que, para abrir a Palestra Nº 10 [op. cit., p. 130], ele desenhou um índio que espera pacientemente um pedaço de carne que assa sobre brasas. Isso também é pano de fundo. Nem só de palavras ele é feito. Podemos "inspirar" os rapazes de inúmeras formas.»


2

— «Agora vejo melhor o que são panos de fundo e que devo, além disso, ler Escutismo Para Rapazes. Se desse livro nasceu o Movimento, deve trazer tudo o que devemos saber.»

— «Eis a questão. Não é um livro de regulamentos e regras como o P.O.R. que conhecemos. É mais um livro que sugere e dá exemplos. Se fosse um livro que descrevesse cruamente o que fazer, talvez o Escutismo não existisse. É justamente porque ele entusiasmou os primeiros rapazes a formarem as primeiras Patrulhas que o Escutismo surgiu. Vês como alguns bons exemplos e algumas palavras bem empregadas podem fazer a diferença? Eis aí o que deve fazer um bom pano de fundo.»

— «Podes indicar-me alguns livros? Hoje falaste bastante de Escutismo Para Rapazes.»

— «Temos o P.O.R. para nos dizer exactamente o que fazer, com os seus princípios, organizações e regras; mas o espírito escutista não se dirige à Razão humana. É uma coisa que está no mundo dos sentimentos e não da Lógica. Hoje em dia, muito do que se refere à prática do Escutismo mudou. Por exemplo: já não se exige de um bom escuteiro que ele seja hábil a abater árvores. Um rapaz actualmente pode chegar a Lis de Ouro sem nunca ter levantado um machado contra uma árvore.»

— «"O Escuta protege as plantas e os animais", lembra-te do sexto artigo da Lei.»

— «Já não vamos à mata hoje em dia abater árvores, mas ainda sacrificamos este ou aquele animal que criamos no quintal de casa para nossa alimentação."

- "Não é a mesma coisa.»

— «Hoje em dia realmente não é, mas já houve um tempo em que era. Vê bem. Dizemos que um escuteiro deve ser bom para com os animais e ao mesmo tempo sacrificamos um animal qualquer (uma frango, por exemplo), porque ele será útil para a nossa alimentação. Quando a maior parte da população vivia no campo (no Brasil isso durou até algumas décadas atrás), derrubar uma árvore para pequenos serviços também era uma coisa útil e corriqueira (para cozinhar à lenha aquele frango que matámos, por exemplo). Actualmente não derrubamos árvores com nossas próprias mãos, mas ainda o fazemos de forma indirecta quando consumimos papel ou peças de mobiliário.»

— «Aonde queres chegar?»

— «Quem inventou o sexto artigo da Lei Escutista é a mesma pessoa que, em Escutismo Para Rapazes [op. cit., p. 98], explicava a melhor maneira de se abater uma árvore.»

— «Tens a certeza disso?»

— «Tenho-a. Lê o livro e vê-lo-ás. Mas não há nenhum paradoxo nisso. O que acontece é que os tempos mudam e hoje já não vemos grande necessidade de abater árvores. Fazer isso apenas para realizar uma prova (quando na maioria das vezes já não há necessidade), isso sim seria ir contra o sexto artigo.»

— «Queres dizer que se eu ler Escutismo Para Rapazes poderei aprender como abater árvores? E ainda assim devo ler o livro para ser um bom escuteiro?»

— «Não deves ler o livro para ser hábil em matéria de pôr árvores abaixo, a não ser que queiras problemas com a Guarda Florestal, mas deves ler essa obra de B.-P. de modo que possas (como direi?) captar o que vem a ser o espírito escutista. O que sentiram os jovens de cerca de um século atrás, ainda podemos sentir. Talvez ainda mais, porque vivemos a maioria em zonas urbanas. O Desconhecido é que aguça a imaginação. E aqui volto a dizer: creio que o maior erro que um chefe pode cometer seja não estar em sintonia com sua Secção. Um chefe deve ser capaz de perceber, por exemplo, como sua Unidade se sentiu diante de determinado jogo ou actividade. Enfim, deve notar quando se riem mais alto, quando levantam a voz e por quanto tempo isso se prolonga em seus semblantes e em suas memórias. Será muito útil para o chefe saber perscrutar a mente de seus escuteiros e povoar-lhes a imaginação com as melhores imagens possíveis.»

— «Concordo plenamente. Mas eu tinha pedido que me indicasses alguns livros e, por enquanto, em minha lista há apenas dois.»

— «Lê Scouting Games, da maneira que lhe for possível, em inglês ou em português; mas não sei se há uma tradução. Se não souberes inglês, talvez a obra já tenha sido traduzida para outra língua de seu conhecimento ou, simplesmente, pede uma tradução a alguém, mesmo que tenhas de pagar por ela. (Não pagarias por um bom livro? Porque então não pagarias por uma boa tradução?).* Lê o Guia do Chefe Escoteiro,** também escrito por B.-P. Queiras ler ainda Opiniões de Delta,** do chefe Rex Hazlewood, ou The Opinions of Delta, que é o título original em inglês, e também The Further Opinions of Delta, do mesmo autor. Esta última obra não sei como se chama em português, pois não me lembro de nenhuma tradução para nossa língua, mas, em português, seria algo como As Novas Opiniões de Delta. Lê e consulta regularmente o P.O.R. e acompanha qualquer mudança que lhe ocorra. Tem sempre à mão o livro de Competencias & Especialidades e as Resoluções da Diretoria Nacional. (Não te esqueças de que estaremos subordinados a um órgão maior, que é a U.E.B.). Vê O Sistema de Patrulhas,** do cap. Roland E. Phillipps, morto na I Guerra Mundial, e A Corte de Honra,** de John Thurman. Certamente há outros livros interessantes que eu poderia citar, e mesmo outros tão ou mais interessantes que eu sequer conheço! Mas, para começar, esses aí hão-de bastar. Talvez não os possas achar todos facilmente, pois a maioria deles são obras antigas e só posso confirmar-te edições de décadas atrás. Mas certamente podes imprimir da Internet as obras que já tiverem passado a domínio público, agindo sempre conforme a Lei, é claro. Opiniões de Delta, devo dizer, trata-se de uma série de pequenos livros. E, antes que digas que algumas dessas obras são muito antigas, direi que poderás encontrar nelas o verdadeiro espírito escutista — como se ainda usássemos [no Brasil] camisas de mangas compridas para compormos o uniforme! E, se realmente acamparemos, Normas de Acampamentos não seria má leitura. Tem sempre alguns bons livros de jogos contigo também: usá-los-ás até não poderes mais!»

— «Não é uma lista grande, mas já vi que um agrupamento deve ter sua própria biblioteca, por mais modesta que seja.»

— «Uma meia dúzia de bons livros já vale por um mundo de bons conselhos. Sempre será um óptimo investimento para o agrupamento, principalmente se lhe for possível conservar aquelas obras de pequena tiragem que, com o tempo, se tornam às vezes verdadeiras raridades.»
____________

(*) No caso das obras de B.-P., elas passam a domínio público a 8 de janeiro de 2011, segundo a Lei de Direitos de Autor válida para Inglaterra, Brasil, E.U.A., Canadá e outros países que adoptam o prazo de 70 anos, contados a partir da morte do autor. (N.A.).

(**) O «Guia do Chefe Escoteiro» [«Aids to Scoutmastership»], «Opiniões de Delta», «O Sistema de Patrulhas» [«The Patrol System»] e «A Corte de Honra» [«The Court of Honor»] são os títulos no Brasil. Como se chamam essas traduções em Portugal? Elas existem em Português Europeu? «Corte de Honra», pelos escuteiros do CNE e da AEP, é chamada de «Conselho de Guias de Patrulha». (N.T.)

Diálogo VII

Sobre a melhor maneira de obter competências e especialidades, a pior maneira, critérios para que a Unidade seleccione quais requisitos deseja cumprir, como e quando avaliar escuteiros que desejam satisfazer as exigências de uma prova, e cerimónias surpresas de entrega de distintivos e insígnias


1

— «No Frota, obtivemos algumas competências, e só Deus sabe como, porque agíamos por nossa conta e risco. Tínhamos de adquirir o conhecimento necessário sozinhos e imaginar alguma maneira de provar ao chefe que estávamos aptos. Tínhamos de pedir ao chefe que ele avaliasse se havíamos cumprido este ou aquele requisito. Não havia um programa de instrução voltado para nenhuma espécie de provas, porque, na verdade, não havia programa de instrução algum! Não havia, portanto, "o benefício da continuidade" em matéria de instrução, mas somente a disseminação aleatória de conhecimentos aqui e ali. Não havia, infelizmente, uma relação muito sólida ou estável entre instrução e actividades ou jogos. É um milagre que tivéssemos alcançado qualquer competência!»

— «Então», diz Ròmeo, «teremos de fazer o que alguns de nossos antigos chefes não fizeram. E parece que será o contrário de tudo isso que acabas de falar.»

— «Será o extremo oposto, eu digo. Como conquistar a competência de Campista numa Unidade que raramente acampa? E, seja qual for o requisito que se queira cumprir, como o fazer se nunca temos a oportunidade?»

— «Isso é verdade. Se a competência pede que acampemos, pelo menos, durante certo número de noites, como a conquistar se a Unidade nunca acampa? E, quanto à instrução, como o chefe quer que saibamos algo se ele nunca nos ensina?»

— «Quando passamos para a Frota, nós e os outros, ela encontrava-se fechada já há um bom tempo. A Frota foi reaberta por nós e recomeçámo-la do zero, pois não tivemos nenhum contacto com seus antigos Marinheiros antes que estes deixassem a Unidade. Entretanto, nossos chefes tratavam-nos como, creio eu, foram tratados um dia. Mas vê bem: eles tinham feito parte de uma Frota que já existia, firmemente consolidada, ao contrário do que foi o nosso caso.»

— «Nós é que nos organizávamos, muitas vezes, para realizar uma prova. Se o Estágio Probatório [o equivalente à Etapa de Tripulante entre os marítimos] (ou Estágio Purgatório, como dizíamos nos piores momentos) exigia uma caminhada de, no mínimo, tantos quilómetros, nós a fazíamos sem o chefe e, mais tarde, apresentávamos-lhe um relatório.»

— «Como naquele acampamento em que o "chupa-cabras" nos levou um pacote de pão. Todas as suspeitas recaíram sobre o pobre animal.»

— «O cão deveria ter fome e, para sua felicidade, estávamos lá.»

— «Lembro que decidimos fotografar o campo e os trabalhos de pioneirismo que fizemos. Fotografámos até o jantar, para mostrar que o cardápio tinha sido cumprido. Mas, antes de tudo, apresentávamos ao chefe um prospecto da actividade, incluindo cardápio, itinerário, programa das actividades que realizaríamos, orçamento, etc.»

— «Há, certamente, outras maneiras de se alcançar uma competência ou realizar uma prova. Se quisermos que, num Grupo Explorador, todos cheguem a Lis de Ouro, devemos planear isso. Deixar tudo por conta do acaso é esperar demais da sorte. Quanto às competências, devemos, em primeiro lugar, escolher aquelas que devem fazer parte do programa de instrução da Unidade.»

— «Algumas não podemos escolher.»

— «Verdade. Porque as de Socorrista, Campista e Cozinheiro são obrigatórias, ao menos ao nível dois. Pois bem! Já temos escolhidas três competências de um total de doze.»

— «Como escolher as outras nove?»

— «Devemos levar em conta três critérios para escolhermos uma competência. São eles, em ordem de importância: 1) Se realmente a queremos; 2) Se nos é possível conquistá-la; e 3) Se, mais do que dos meios necessários, dispomos dos meios favoráveis à sua conquista.»

— «O primeiro critério é fácil de entender. Basta que queiramos na verdade.»

— «Não é tão simples assim. Cometem-se grandes erros noutros agrupamentos a esse respeito. Uma vez um rapaz desejava vivamente a competência de Sinaleiro, mas até então, desde seu ingresso na Unidade, ele nunca tinha tido instrução sobre o assunto. Um dia, atirou as bandeiras homógrafas ao chão e praguejou. O chefe, rindo-se da situação, perguntou-lhe: — "Mas não era isso o que querias?" E o rapaz respondeu-lhe: — "Eu não sabia que era assim!"»

— «Entendo o que queres dizer. Será que toda competência é realmente como a imaginamos?»

— «Eis a questão. Não devemos imaginar. Devemos, sim, dar uma boa olhada ao livro de Competências & Especialidades. Geralmente só há um para toda a Unidade ou agrupamento e o chefe cede-o aqui e ali. Os escuteiros mais entusiasmados, quando têm acesso à loja da Região e o dinheiro necessário, adquirem um exemplar da obra. Quando têm apenas entusiasmo e pouco dinheiro, fotocopiam o livro (o que não deve ser incentivado, pois a Região deixa de ganhar a parte que lhe é devida e, no futuro, talvez pense que investir em livros escutistas, ou mesmo custeá-los, seja mau negócio). Seria um óptimo investimento se a Secção adquirisse alguns exemplares, de modo que houvesse ao menos um deles em poder de cada Patrulha.»

— «E depois?»

— «Quando todos os interessados já tiverem lido o livro, deve-se reunir a Secção e aparar as últimas arestas, isto é, o chefe deve acabar com as dúvidas a respeito do que possa significar este ou aquele requisito. É importante reunir a Secção, pois uma competência que, a princípio, não pareça atractiva para uns, pode passar a sê-lo depois de alguns esclarecimentos e exemplos dados pelo chefe. Na verdade, mais do que escolher nominalmente quais competências queremos, deveríamos saber mais precisamente quais requisitos desejamos cumprir. Há [no Brasil] um número mínimo deles que deve ser observado para que se alcance uma competência a este ou àquele nível. [Por exemplo: se uma competência tem 9 ítens ou requisitos a cumprir, um escuteiro alcança o nível 1 se cumpre 3 ítens quaisquer ou requisitos; o nível 2 se cumpre 6; e o nível 3 se cumpre todos].»

— «Agora, quanto àquele segundo critério, que competência seria impossível de alcançar?»

— «Imagina que houvesse a competência de Escultura no Gelo. Seria praticamente impossível conquistá-la nos trópicos. E, ainda que houvesse ambientes artificialmente refrigerados para tal finalidade, em que cidade estaria ele localizado? Quantas viagens seriam necessárias? Quanto custaria? Enfim, seria viável?»

— «Entendo. Nesse caso, não basta entusiasmo.»

— «Devemos ter em mente o tempo que pode levar até que os escuteiros alcancem essas competências. Há um limite para eles relacionado à idade. Não se pode esperar que eles cheguem a Lis de Ouro depois dos quinze anos.»

— «E que seria favóravel? Estou a referir-me ao terceiro critério.»

— «Imaginemos que existam agrupamentos de escuteiros na Antárctida. Se eles quisessem conquistar aquela competência de Escultura no Gelo, haveria não só condições favoráveis, mas também ideais! Quanto a reunir a Secção para tratar do assunto, deve-se fazê-lo tantas vezes quantas forem necessárias. Haverá, portanto, esse fórum de discussões (ou Conselho de Grupo, como queiras), cujo tema invariável serão as competências.»

— «Há também a Insígnia Mundial da Conservação da Natureza [necessária para a conquista do Lis de Ouro], não há?»

— «Sim. Devemos incluí-la nesse fórum. Há igualmente três competências do Grupo Vermelho que um escuteiro deve conquistar ao menos a nível dois. Lembremos que a meta é o distintivo de Lis de Ouro.»

— «E a seguir?»

— «Deve haver um programa de instrução para que todos possam adquirir todo o conhecimento necessário. O programa de actividades deve ser baseado nesse primeiro programa. Os jogos e as actividades devem fazer com que os escuteiros pratiquem toda a instrução dada. E aqui devemos evitar um grande erro. O chefe não deve avaliar o escuteiro justamente na primeira vez que este se veja a fazer alguma coisa. Um bom programa deve fazer com que os escuteiros pratiquem o máximo possível o que devem saber bem, seja pioneirismo, seja cozinha. Quando os escuteiros estão realmente bons no que fazem, essa é a hora certa de o chefe os avaliar. É assim que bons chefes aprovam muitos escuteiros de uma só vez. Não há nenhuma mágica. Pelo contrário: isso é o resultado de um longo processo ou esforço.»

— «É por isso então que vemos Unidades em que todos (ou quase todos) os escuteiros têm a mesma competência? Não se trata de bondade do chefe ou distribuição gratuita de insígnias?»

— «De modo algum! É a maneira mais inteligente de permitir que os escuteiros de uma Unidade satisfaçam as exigências de qualquer prova, porque é justamente a maneira que gera mais resultados. É uma pena quando um escuteiro, isoladamente, tem de se esforçar para realizar uma prova. Não há instrução no programa da Unidade nem oportunidade à vista de se cumprir esta ou aquela exigência. É a maneira mais difícil (ao menos para o escuteiro) e também a mais improdutiva para a Unidade. Quando fizeres o CB Escoteiro ou Sênior tu verás isso. Também terás a oportunidade de conversar com chefes de outros agrupamentos e verás, nessa ocasião, que nem todos os agrupamentos agem do mesmo modo. Aprenderás muito em ocasiões como essas e talvez queiras manter contacto com chefes de longe, de maneira que não te sintas isolado em teu agrupamento, nem desanimado, imaginando que a galinha do agrupamento vizinho seja mais gorda que a do teu. Em todo caso, talvez queiras manter um sítio na Internet. Muitos agrupamentos já fazem isso em várias partes do mundo e, para que não tomemos os bons exemplos alheios sem oferecer nada em troca, também podemos criar um sítio, retribuindo o que os outros nos oferecem de graça.»

— «Vejo que sim. No entanto, para que não fujamos ao tema "competências & especialidades", há agrupamentos em que as coisas são daquela maneira que me estavas a falar?»

— «Vê bem. Geralmente a primeira vez que um rapaz faz comida na vida é quando tem de fazer uma prova que exija o preparo de uma refeição. É justamente então que ele costuma ser avaliado.»

— «Ele poderia praticar em casa.»

— «E quanto à cozinha mateira? E quanto a tudo aquilo que exige ar livre, actividades com a Secção e outras tantas coisas que só um bom programa de instrução muito bem casado com um belo programa de actividades pode oferecer?»

— «Tens razão. Parece que se não pode ser escuteiro se estamos o tempo todo em casa ou na sede.»

— «Se teremos socorristas na Secção, devemos incluir nos programas de instrução e de actividades os requisitos de Socorrismo que a Unidade escolheu cumprir e planear todo tipo de jogos e actividades de modo que eles pratiquem o máximo possível e, quando estiverem "perfeitos" no assunto, então sim cobraremos o que sabem. Afinal, estamos a falar de competentes e, não, de curiosos no assunto. Uma boa ideia, a meu ver, é não avisar quando será feita a avaliação. Na verdade, estaremos a avaliá-los o tempo todo e, quando verificarmos que, pelo menos, a maioria ou boa parte deles já merece receber certa insígnia, faremos uma cerimónia surpresa. Eles só saberão do que se trata no último segundo. Os outros, quando estiverem aptos, receberão as insígnias noutra cerimónia surpresa.»

— «A mim parece óptimo. Vejo que teremos uma excelente Secção.»

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Diálogo VI

Sobre por quais motivos fecham os agrupamentos


1

— «Porque fecham os agrupamentos?» perguntou Bravo lentamente, dando início à questão.

— «Queres saber o porquê?»

— «Sim. Pensa bem. Porque um agrupamento fecha?»

— «Bem... Para que preocuparmo-nos com isso? No momento não pretendo fechar nenhum agrupamento.»

— «Mais um motivo para que pensemos sobre o assunto. Não queremos lançar as sementes de uma coisa que morrerá em breve. Queremos um agrupamento auto-renovável e, se me permites a utopia, eterno. Sendo assim, porque eles fecham?»

— «Chega o dia em que as pessoas perdem o interesse, os escuteiros se vão afastando e o próprio chefe, enfim, deixa o agrupamento para cuidar da própria vida.»

— «Pois eu digo que há sempre mais jovens interessados em continuar do que adultos. Geralmente o que falta é um chefe. Alguns rapazes abandonam a Secção logo nas primeiras semanas. Esses não sabiam o que era Escutismo e, uma vez dentro de uma Unidade, descobrem que não gostam do Movimento. Nem todos os rapazes nascem para a vida ao ar livre e alguns odeiam qualquer esforço físico. Mas, para que possamos dizer que um rapaz não gosta do Movimento Escutista, primeiro temos de lhe oferecer uma mostra do verdadeiro Escutismo.»

— «Afinal, que estás a tentar dizer?»

— «Que os rapazes, uma vez que mantenham contacto com o verdadeiro Escutismo, raramente dizem que não gostam dele e abandonam o agrupamento. Entretanto, um bom Grupo Explorador ou Pioneiro pode fechar ainda que haja inúmeros escuteiros contrários à ideia de fechamento. E, se a Unidade fecha, é porque chega o momento em que lhe falta um chefe. É um erro pensar que somente os Grupos que vão muito mal correm o risco de se extinguirem.»

— «Já podemos concluir então que não basta a um Grupo ser bom para ver assegurada sua existência. Desse modo, porque um Grupo que esteja em sua melhor fase correria o risco de fechar?»

— «Como eu disse, há sempre mais jovens do que adultos para manter uma Secção. As estatísticas estão aí para o provar. E, se o recordarmos bem, concordaremos que o Movimento é para os jovens.»

— «O Escutismo, de facto, é um movimento juvenil.»

— «Mas ainda assim não é aí que reside a questão. Proporcionalmente, há chefes suficientes em relação ao número de jovens no Brasil. Basta termos acesso a algum censo sobre o assunto. Se dividirmos o número de chefes pelo número de Lobitos, Exploradores, Pioneiros e Caminheiros, veremos que o X da questão tão-pouco reside aí. Então, onde deveríamos procurar o erro?»

— «Vamos ver. Temos um bom Grupo, um bom chefe (eu presumo) e uma boa quantidade de escuteiros... Mas ainda assim essa Unidade pode fechar? Explica-mo melhor.»

— «Não estou a falar de um cometa que caia sobre a sede do agrupamento ou coisa parecida. Estou a falar de coisas que acontecem. Há agrupamentos por aí fechando as portas e muitas pessoas não compreendem o porquê. Como, depois de tanto tempo, um agrupamento poderia fechar?»

— «Os tempos mudam; as pessoas passam a interessar-se por outras diversões. Hoje em dia há tantos atractivos que não existiam até há algumas décadas!»

— «Onde há mais atractivos oferecidos pela vida moderna? Numa cidade pequena ou numa metrópole como São Paulo?»

— «Certamente em São Paulo há bem mais atractivos do que aqui onde vivemos. Isso não se discute.»

— «E ainda assim há inúmeros agrupamentos em todas as grandes cidades brasileiras e, às vezes, nenhum nas pequenas cidades tão carentes de atractivos. Pois eu digo que há muitas pessoas que frequentam a Universidade, vão à praia e aproveitam a vida nocturna de suas grandes cidades e, ainda assim, dedicam-se ao Movimento. Não devemos imaginar que as pessoas só se interessam pelo Escutismo por extrema falta de opções de lazer. Além do mais, não classifico o Movimento Escutista como uma forma arcaica de diversão, facilmente substituível por qualquer forma moderna de entretenimento.»

— «O.K., voltemos à questão. Porque fecham os agrupamentos?»

— «Que um agrupamento tenha fechado porque passou por dificuldades, isso é realmente óbvio. Mas agora diz-me: porque uma Secção, tendo vários aspectos favoráveis, poderia fechar? Geralmente os jovens são os últimos a abandoná-la. Somente quando as reuniões deixam a desejar e depois de um longo tempo de insistência por parte deles, é que perdem as esperanças e procuram coisa melhor com a qual ocupar-se. Não raro, passam a ocupar-se com nada! Nesse caso, é o chefe que fica só e diz algo do tipo: — "Os jovens de hoje já não se interessam pelo Escutismo!" ou: — "A concorrência dos lazeres modernos é muito grande. É uma luta injusta!"»

— «Mas antes estavas a falar de uma boa Secção, em que havia aspectos favoráveis.»

— «Nesse caso, é o chefe que geralmente abandona os rapazes. Há boas reuniões, os escuteiros participam regularmente, etc., mas, devido a algum problema particular, o chefe é obrigado a afastar-se.»

— «Não haveria um substituto?»

— «Agora chegamos ao X da questão. Imagina que o último chefe da última Secção de um agrupamento tenha de se ausentar por tempo indeterminado. Não importa o motivo; o importante é dizer que ele tem de se ausentar. Ele era um bom chefe e havia boas reuniões. Nesse caso, as pessoas dirão: — "Já não há uma alma bondosa neste mundo que faça um serviço voluntário!" ou, então: — "Chefe como este já não se encontra mais. Que se pode fazer?"»

— «Sendo assim, porque os adultos já não querem dedicar-se ao Movimento?»

— «Pois eu digo que eles querem. Não te enganes: nós somos prova de que há adultos desejosos de participar. Sempre houve e sempre haverá interessados. O Homem, em seu íntimo, é o mesmo em todos os tempos e sítios. Os sentimentos que movem o mundo jamais mudam. Eis aí o segredo de tudo. Sendo assim, que estamos a fazer de errado?»

— «Eu realmente não sei. O facto é que alguns agrupamentos fecham por falta de chefes. Ao menos sobre isso concordamos.»

— «Então, se um agrupamento fecha, é porque um adulto se retirou e não houve uma alma caridosa que o quisesse substituir? Essa é uma resposta infinitamente ingénua. "Felix qui potuit rerum cognoscere causas".»

— «Meu Deus! Esqueceste-te de traduzir isso. Queiras falar-me em português por favor.»

— «"Feliz de quem pode penetrar a causa secreta das coisas". E permite que eu diga mais: quando um agrupamento fecha, isso é o resultado de um longo processo. Nenhum agrupamento fecha da noite para o dia como pode parecer. Se fizermos como Tucídides e dividirmos as causas dos acontecimentos em subjacentes e imediatas, entenderemos perfeitamente porque fecham os agrupamentos.»

— «Então, por favor, faz-me entender. Como fazia Tucídides?»

— «Mais ou menos assim. Se o último chefe da última Secção de um agrupamento enfarta, é abduzido por alienígenas ou simplesmente abandona sua Unidade por qualquer motivo, e não há substituto, essa será a causa imediata, aquela que satisfaz as pessoas de "mentalidade ingénua", mas não satisfaz plenamente as pessoas de "mentalidade crítica" (se é que posso empregar termos de Sociologia). Pois bem! Agora falta saber quais seriam as causas subjacentes, isto é, o que explica a força poderosa da causa imediata, que, de outro modo, não teria o mesmo efeito sobre os acontecimentos. Para isso, sempre é preciso voltar atrás no tempo. Já falamos a respeito de agrupamentos "de bairro" e daqueles que não o são. Foi em nosso primeiro diálogo. Imagina então um agrupamento que não seja exactamente "de bairro" (como o 21 que já conhecemos) e que, ao longo de toda a sua história, 99% de seus chefes tenham sido ex-escuteiros. Imagina agora esse agrupamento em seu auge, havendo nele muitos Lobitos, Exploradores, Pioneiros e alguns Caminheiros. Agora, sim, imaginemos o começo do fim. Num belo dia o Clã, que era já pequeno, fecha. Ninguém tem muita pressa de reabrir essa Secção e muitos dos pioneiros que atingiram os 18 anos e fariam parte do Clã, ou deixam imediatamente o agrupamento ou se tornam chefes. Alguns adultos chegam a lamentar, mas na prática nada é feito. Mais tarde, é a vez de o Grupo Pioneiro fechar. Nesse caso, os exploradores raramente continuam no agrupamento ao completarem 15 anos. Aqueles que realmente desejam continuar no Movimento procuram outro agrupamento e, mais raramente ainda, voltam a seu agrupamento de origem após deixarem o Clã no novo agrupamento. Afinal de contas, quem terá lucrado quando alguns desses jovens decidirem tornar-se chefes, será justamente esse outro agrupamento. Pois bem! Entre o Grupo Explorador e a chefia passou a existir um buraco na caminhada daqueles escuteiros que, um dia, se tornariam chefes. Mas nem sempre é preciso que algumas Secções encerrem as actividades. Algumas vão minguando e passam a funcionar tão infimamente, que logo se tornam incapazes de oferecer dirigentes ao agrupamento. Se uma Secção possui vários jovens, é preciso lembrar que só alguns, talvez apenas um se torne um bom chefe no futuro. E, se havia um Clã e ele fecha, significa que o Grupo Pioneiro deve ser observado mais atentamente. Que estaria errado? Todo esse processo não acontece da noite para o dia. Pode ser um processo de muitos e muitos anos. E, quem sabe entender um processo desse tipo, sabe prever-lhe o resultado.»

— «Pensando bem, geralmente a primeira Secção a desaparecer num agrupamento é o Clã.»

— «É um péssimo sinal. E geralmente o começo do fim num agrupamento que não seja "de bairro". Quanto a admirar o facto de que os pioneiros se tornem chefes ou assistentes sem que tenham passao pelo Clã, não é, em absoluto, admirável. Quanto mais um jovem mantiver contacto com o agrupamento como escuteiro, maiores as probabilidades de ele se tornar um dirigente e continuar como tal. Há-de haver o maior número possível de laços entre o jovem e o agrupamento. Trata-se de pura Psicologia! Isso não é só admirável, mas também desejável.»

— «E porque não poderia haver esses mesmos laços enquanto o jovem fosse chefe ou assistente?»

— «Ele desejará ser chefe quando já não puder participar numa Secção como escuteiro. E, quanto mais cedo ele começar como chefe, menos laços teremos que o incentivem a ser um dirigente. Deixa que eles comecem como assistentes quando estiverem no Clã e, só depois disso, permite que eles sejam chefes, salvo algum caso de extrema necessidade, se tivermos que escolher dos males o menor. É claro que muitos escuteiros têm o desejo de se tornarem chefes, desde tenra idade, mas é um sentimento ainda pueril. Se prestares atenção, notarás que, na mente deles, ser chefe é dar ordens e ser prontamente atendido. Ou, na linguagem de alguns rapazes, "mandar e repreender". Sabemos muito bem que esse não é o retrato fiel de um autêntico chefe. A maior parte de nosso trabalho (cerca de 60%) não é vista pelos outros, sejam estes os rapazes, sejam os pais, porque consiste em dirigir a Secção, e esse é um trabalho para a mente, geralmente feito quando estamos sentados a uma mesa de escritório. Infelizmente, somos notados apenas quando estamos em movimento, fora das portas da sede, o que leva até mesmo alguns dirigentes a pensar puerilmente que chefe só serve mesmo para "mandar e repreender", e o pior de tudo: acabam por agir assim, deixando de planear até mesmo as reuniões de Grupo, ou resumindo o programa de actividades de um acampamento a uma bola de futebol! É uma pena que o trabalho intelectual não seja tão apreciado, mas saibamos que o planeamento vem antes da acção. E, como o Escutismo não deixa de ser sinónimo de "acção ao ar livre"...»

— «Concordo em género, número e grau. Mas, num agrupamento "de bairro", porque os pais se eximem da chefia?»

— «É preciso lembrar que parte dos adultos exerce outras funções. Um agrupamento não é feito apenas de chefes. Mas em todo caso há-de haver laços que unam os pais ao agrupamento. Por exemplo: ter um filho no agrupamento é um vínculo ou laço; ter amigos no mesmo agrupamento, outro vínculo. Mas, quando digo amigos, quero dizer isto: pessoas que não mantêm contacto somente devido às suas atribuições no agrupamento, mas que se vêem também fora dele para actividades não-escutistas. Todos esses laços, é claro, também podem ser observados num agrupamento que não seja "de bairro".»

— «Pois bem! "Feliz de quem pode penetrar a causa secreta das coisas!" Mas ainda tenho uma dúvida. Porque geralmente a 2ª Secção é a última a fechar?»

— «Geralmente essa Secção é a "preferida" de um agrupamento. A 2ª Secção também é, e eis o ponto mais importante, a que conta com o maior número de escuteiros no Movimento Escutista. Portanto, é aquela que pode absorver o maior número de erros de um chefe antes que sucumba, principalmente se o afluxo de novos elementos (vindos da Alcateia ou não) for realmente grande. Há Grupos Exploradores em que apenas uns 20%, 30% de seus elementos de 11 anos chegam à 3ª Secção, porque os outros 70%, 80% não chegam a passar mais de um ano ou dois no Grupo Explorador. Mas esse Grupo está sempre vazio? Não, nunca, simplesmente porque a entrada de novos elementos dá-se em quantidade excepcional.»

— «Realmente é incrível. Havendo bons chefes, seria possível ao agrupamento ter pelo menos dois Grupos Exploradores, talvez três!»

— «Quando um agrupamento encolhe até resumir-se a um Grupo Explorador, é preciso reflectir grandemente. Mas creio que eu ainda tenha um bom conselho a oferecer. Quando alguém previne um mal, geralmente não vê seu esforço reconhecido. Alguns duvidam de que ele realmente tenha feito algo pelo agrupamento, e outros (que percebem o facto) até mesmo se calam, talvez por serem minoria. Esse é o herói desconhecido e, algumas vezes, chega a ser criticado ingenuamente. Mas aquele que só resolve um problema depois que ele acontece, quando todos já sentiram na carne seus efeitos, esse, então, é o herói aplaudido por todos e ninguém o critica. Mas às vezes esse herói louvado por todos poderia muito bem ser chamado de negligente. Infelizmente, para as pessoas é mais fácil sentir um problema na carne (quando ele já é óbvio) do que, com antecedência, abraçá-lo com a mente e evitá-lo. "Voa com o pensamento a toda parte", portanto, a fim de evitar problemas futuros, mas que nascem desde o dia de hoje. Eis aí a melhor divisa para quem quer evitar problemas. Mas, àquele a quem falta a pena da Razão, "não há mal que lhe não venha".»