sábado, 26 de dezembro de 2009

Diálogo IX

Sobre o chefe Quim novamente, o Aquelá Quim, contar vantagens sobre a própria Secção, ridicularizar as Secções contíguas, evasão no Movimento Escutista, mais algumas do chefe Quim, e bolsas de ajuda


1

Tinham voltado à caricatura surgida no diálogo anterior. O mote «castigat ridendo mores» tinha-lhes apetecido e, de facto, é uma óptima maneira de pôr fim a certos hábitos. Acima, o dia era azul e claro.

— «O chefe Quim, ou melhor, o Aquelá Quim geralmente diz a seus lobitos: — "Nossa Alcateia é um paraíso na Terra, onde mana leite e mel, mas no Grupo Explorador vocês verão o que é suar a camisola. Lá é que hão-de penar com tarefas pesadas, descascando batatas e cavando latrinas!" ou: — "Aproveitem a Jângal enquanto é tempo, pois logo virá a cidade dos homens e nada mais será tão bom como agora", etc. Creio já que tenhas apanhado o espírito da coisa.»

— «Alguns lobitos sabem o que são batatas, principalmente quando já estão cozidas ou fritas, de preferência fritas, mas às vezes é uma novidade para o vocabulário deles a palavra "latrina". O Aquelá está a falar a verdade? O.K.! Mas daí a amedrontá-los, falando sobre a futura Secção como um profeta que anuncia o fim do mundo, ou retratá-la como se fosse o próprio inferno, isso já é uma grande maldade. Alguns chefes realmente não se referem às Secções posteriores empregando os melhores termos. O chefe explorador Quim diria algumas palavras semelhantes a respeito da 3ª Secção.»

— «E então, quando é chegado o momento, os lobitos deixam a Jângal como se fossem Adão e Eva naquela pintura de Masaccio, tristemente retrados quando expulsos do Paraíso, se é que os lobitos cometeram algum pecado. Ou, quando eles completam os 11 anos, fogem ao Grupo Explorador como o diabo da Cruz, e o Movimento perde então alguns escuteiros, como se nos pudéssemos dar a esse luxo!»

— «"Pedoai-lhes, eles não sabem o que fazem!"» diz Ròmeo, de bom humor.

— «Talvez eu tenha exagerado nas palavras que usei, mas a caricatura é a melhor maneira de realçar um problema e deixá-lo à vista dos mais míopes. A maioria dos chefes Quim pode ser bem mais subtil do que a caricatura que te apresentei. Mas as imagens que vão sendo plantadas nas mentes dos lobitos ou exploradores são exactamente as mesmas. A ideia que fica é a de que a Secção seguinte será sempre pior do que a actual. Isso deve ser evitado a todo custo e por vários motivos. Em primeiro lugar, não estaríamos a falar a verdade assim. Sempre que avançamos uma Secção, estamos a evoluir no Movimento. Um bom chefe deve incentivar os elementos de sua Unidade a passarem para a Secção subsequente quando for chegada a hora.»

— «Mas o chefe Quim...» diz Ròmeo e ri-se.

— «O chefe Quim, por um motivo ou por outro, não deseja que seus escuteiros se divirtam tanto na Secção posterior como se divertiram na sua. Muitos chefes sentem-se honrados quando um ex-lobito diz: — "O Grupo Explorador não está a ser tão bom como a Alcateia. Penso até em sair do agrupamento." E então o chefe Quim (neste caso um Aquelá) já pode gabar-se, dizendo discretamente a seus botões ou em alta voz a quem quiser ouvi-lo: — "Sou um excelente chefe, porque só na minha Secção os rapazes realmente aproveitam o Movimento Escutista e divertem-se!»

— «Muitos rapazes assustam-se tanto com isto ou aquilo que um adulto lhes diz, que chegam a temer a Secção seguinte. Muitos chefes têm sempre alguma história para contar. Geralmente alguma actividade pouco feliz.»

— «Ou mesmo uma actividade prazerosa, mas pintada com outras cores. Uma caminhada que para exploradores pode ser uma óptima actividade, para lobitos pode parecer pouco atractiva (especialmente se lhes dissermos a extensão do percurso). Cada Secção tem suas actividades características, de acordo com o desenvolvimeto físico e mental de cada faixa etária. É natural que aquilo que os exploradores fazem possa não parecer tão atractivo para a Alcateia.»

— «Então, não sejamos como o chefe ou o Aquelá Quim.»

— «E, se houver um em nosso agrupamento, dar-lhe-emos um jeito.»

— «Não estás a pensar em...?»

- "Oh, não! Nenhuma medida extrema como o afastamento dele ou coisa parecida. Penso que uma boa conversa em particular possa resolver o problema. Creio que muitos chefes Quim não tenham a exacta consciência do que fazem. Alguns talvez não saibam sequer explicar o porquê de seu comportamento, mas, se lhes perguntarmos se seus antigos chefes agiam de igual maneira, provavelmente a resposta será "sim". São hábitos herdados. Como eu já te disse noutro diálogo, a maioria das pessoas herda ideias e não pára para pensar a respeito. Essas pessoas crêem piamente que essas ideias estejam certas e não admitem de modo algum a hipótese de estarem a agir de maneira errada. Mas, infelizmente, acontece que a maioria das ideias herdadas pode estar errada, e geralmente está.»

— «Daí a conversa que devemos ter com o chefe Quim em particular.»

— «Essa conversa deve ser uma preocupação do chefe de agrupamento. Ele deve ter o cuidado de orientar os chefes de Unidade a esse respeito. Afinal, quem deve cuidar do agrupamento como um todo é ele. E nós realmente queremos um senhor agrupamento e, não, uma manta de retalhos mal costurada. De facto desejamos que todos os rapazes passem por todas as Secções até que possam chegar à chefia, e de preferência de maneira prazerosa. O momento em que a maioria dos jovens abandona o agrupamento é, justamente, durante a passagem de Secção. A evasão nunca é maior noutro momento! Vês assim a importância de incentivar os rapazes e, não, atemorizá-los? Consegues entender agora o valor de uma boa ligação 1ª/2ª Secção, ou de uma óptima ligação 3ª/4ª Secção? Infelizmente alguns jovens sequer passam por esses momentos de transição (cujas consequencias são obviamente práticas) e são lançados abruptamente de uma Secção a outra, "ex abrupto" como mudar da água para o vinho, mas, mesmo em se tratando do "licor de Baco" de que gostamos, ele ainda leva algum tempo nos barris de carvalho até que esteja pronto para seguir adiante. Não imagino que possamos fazer como Jesus. Também penso que, se o julgar necessário, o chefe de agrupamento deva conversar com os escuteiros que nos próximos meses passarão para outra Secção.»


2

— «Creio que ridicularizar as outras Secções também seja uma péssima ideia. Até aqui estávamos a falar de atemorizar, não estávamos? O.K.! Imagina que um rapaz já tenha 11 anos e por isso entra imediatamente num Grupo Explorador, isto é, ele nunca passará pela Alcateia como lobito. Certamente, ele poderia incentivar algum colega ou primo mais novo a entrar para a Jângal, mas, como o chefe explorador provavelmente estará a dar o troco ao Aquelá Quim ridicularizando a Alcateia, esse rapaz não desejará isso a um amigo ou parente. Nesse caso, o tiro do Aquelá Quim terá saído pela culatra! Se o seu rival imediato, o chefe explorador Quim, decide ridicularizar o Balu (oh, o Balu! que gute, gute!) e a Jângal de Rudyard Kipling, o chumbo trocado entre eles pode muito bem ter este resultado: ambos os duelistas feridos e nenhum vencedor afinal de contas!»

— «E esse escuteiro de 11 anos, depois de adulto, estaria à vontade para ser chefe numa Secção que ele mesmo considera ridícula?"

— «Receio que não.»

— «Certamente que não! Devemos dar todos os motivos do mundo para que os jovens falem bem do agrupamento e não só desta ou daquela Secção. Os rapazes crescem e, tu sabes, os filhos deles também poderão fazer parte de nosso agrupamento. Nesse caso, um escuteiro que nunca tenha sido lobito não deve ter uma opinião desfavorável sobre a Alcateia. Queremos que eles entrem para o agrupamento o quanto antes. Recorda que quanto mais laços, melhor...»

— «E que mais o chefe Quim poderia fazer?»

— «Muitas coisas. Por exemplo: durante uma reunião de Grupo, um chefe aplicará um jogo de pistagem. Algum assistente usa giz e vai riscando os sinais aqui e ali pelas ruas do bairro. Ele desenha um sinal de "caminho a seguir com transposição de obstáculo" apontado para um muro (o muro da sede, é claro) ou, se ele quer fazer uma piada, apontado para uma lomba numa das ruas pouco movimentadas de um bairro residencial. Até aqui, nada de mais. Entretanto, o chefe Quim nunca aplicaria esse jogo num acampamento ou actividade de campo. O chefe Quim realiza jogos de campo na sede e, francamente!, jogos de sede nas actividades de campo! Já falamos noutro diálogo que cada tipo de jogo exige certo ambiente ou determinada condição. Pois bem! Uma Secção que raramente acampa deveria aproveitar seus acampamentos da melhor maneira possível, isto é, realizando o maior número de jogos de campo que puder e, obviamente, deixando o futebol para ocasiões mais oportunas.»

— «Realmente faz sentido. Há Unidades que raramente acampam e, quando o fazem, comportam-se como se estivessem na sede. O chefe Quim deveria ser proibido, para o bem dos escuteiros de uma Secção!»

— «Um bom chefe de agrupamento apanhará os chefes da família Quim que existirem por lá, pois ninguém está livre desse infortúnio, e aparar-lhes-á as arestas aqui e aqui, pacientemente, com muitas conversas e exemplos, até que lhes possa extirpar o sobrenome Quim.»

— «Vejo que um chefe de agrupamento deve ser muito paciente.»

— «Um chefe de agrupamento deve ser capaz de aconselhar os chefes de Unidade e, pacientemente, ser capaz de se recostar numa boa cadeira e cruzar as pernas como manda a etiqueta, acender seu velho cachimbo (caso o fume) como se estivesse num fim de tarde e não houvesse nada mais para fazer. Uma conversa deve durar o tempo que for necessário e um bom chefe de agrupamento saberá ouvir mais do que falar. Conselhos prontos e frases feitas não ajudam muito. E, se antes falei em "muitas conversas e exemplos", eu quis dizer que, quando alguém não entende uma abstracção, devemos oferecer-lhe um bom exemplo ou quadro pintado. Uma coisa é dizer que cada tipo de jogo requer um ambiente diferente; outra coisa é dizer que o chefe Quim realiza jogos de cidade no campo e jogos de campo na cidade. Um bom chefe de agrupamento tão-pouco deve resolver todos os problemas de seus chefes de Secção, mas deve, antes de tudo, ajudá-los a pensar e a decidir, fazendo-lhes muitas perguntas depois de ter ouvido as queixas deles, abrindo-lhes os olhos para este ou aquele ponto. Sendo assim, digamos que o chefe explorador tenha dificuldade de manter os lobitos que passam para o Grupo Explorador, porque estes evadem-se do agrupamento poucas reuniões depois. Um astuto chefe de agrupamento perguntaria ao chefe explorador, entre outras coisas: porque eles (os ex-lobitos) deixam o Grupo Explorador? Tu (chefe de Unidade) consegues identificar o motivo? E, se o motivo é este ou aquele, como anular isso? Que poderias tu fazer? Já tiveste uma conversa com os Guias ou com o Grupo para que eles não amedrontem os lobitos e tenham um cuidado especial com quaisquer aspirantes, ex-lobitos ou não, porque o agrupamento quer diminuir a evasão? Não há ligação de Lobito a Explorador como deveria haver? Já conversaste com o responsável pela Alcateia? No que eu (chefe de agrupamento) poderia ajudar-te? Gostarias de minha presença durante essa conversa? etc., etc., etc. O objectivo é ajudar os chefes de Unidade a achar a solução do problema e, não, fazer isso por eles, pois o objectivo é auxiliá-los como "actor coadjuvante" e, não, como "actor principal". O chefe de agrupamento só deveria interferir directamente numa Unidade em casos excepcionais.»

— «E que mais o chefe Quim seria capaz de fazer numa Secção? Decerto, tens outros exemplos.»

— «Tantos quantos sejam as estrelas no céu, infelizmente. Mas nada que não possa ser corrigido. Errar é humano, todos sabem, "errare humanum est", e não somos superiores a ninguém, mas o facto é que poucos sabem que estão a errar ou, se o sabem, não identificam muito bem onde está o equívoco de modo que o possam corrigir. Alguns sequer gostam de procurar ajuda ou de admitir que precisam dela. Mas a meta é justamente evitar esses erros. Os chefes Quim são, na verdade, "pata-tenras" e devem evoluir. Os chefes não nascem prontos e devem receber conselhos aqui e ali até que possam andar com as próprias pernas. Há dirigentes que nunca foram escuteiros, nunca consumiram literatura escutista, nunca frequentaram um curso (embora assumam uma Unidade) e fazem do Escutismo o que eles acham que dever ser e, não, o que ele realmente é. Noutras palavras: "não sei, não quero saber e faço do meu jeito!" É pena que seja assim. "Todo o mundo é composto de mudança, / Tomando sempre novas qualidades", como diria aquele poeta, mas nada acontece sem esforço. A boa vontade deve ser uma coisa prática ao invés de se limitar ao mundo das ideias. Mas vamos lá. Queres outros exemplos... Penso que poucas coisas sejam mais abomináveis do que adiar a entrega de uma insígnia. Se um rapaz se esforçou por cumprir, digamos, os requisitos de uma competência, o chefe também deve esforçar-se para entregar-lhe a insígnia correspondente através da devida cerimónia, além de se mostrar contente com isso. Devemos manter os rapazes entusiasmados, e nada seria mais contrário a isso do que adiar a entrega de uma insígnia. Seria uma bela forma de desestimular os outros elementos da Secção a realizar qualquer prova. Os escuterios não devem duvidar de que receberão o que lhes é devido. Um típico chefe Quim, quando interpelado, responderia: — "Achas que vou à loja da Região todos os dias?! Se esperaste até agora, espera um pouco mais!" Ou, fazendo uso do bom humor, diz alguma piada e foge ao assunto. Um bom chefe, quando não vai à Região regularmente, deve adquirir alguns distintivos e insígnias de antemão. Mais cedo ou mais tarde, eles sairão da gaveta e habitarão o uniforme de algum escuteiro esforçado. Só numa Secção não muito boa o chefe teme que os distintivos e insígnias comprados de antemão criem mofo dentro de alguma gaveta. Tanto quanto possível, o agrupamento deve fornecê-los gratuitamente. Será um grande estímulo. Um rapaz não deve ter em mente que os comprou, ainda que isso aconteça indirectamente através do pagamento de mensalidades. Quanto à cerimónia de entrega, ela deve ser realmente solene. O chefe Quim realiza a entrega de um distintivo ou insígnia após um jogo agitado, quando todos estão sem a camisa e suados. Mas poderia ser ainda pior. O chefe Quim poderia fazer alguma piada ou relembrar algum momento embaraçoso do escuteiro em questão. Sabes como os adolescentes são inseguros, principalmente quando a gozação parte de um adulto. Todos já fomos "pata-tenras" alguma vez e, creio eu, já passamos por momentos de embaraço. Entretanto, uma cerimónia não é a ocasião mais adequada para relembrar esses infortúnios. O escuteiro deve sentir-se orgulhoso com a cerimónia e, não, humilhado ou embaraçado. O chefe Quim, algumas vezes, aproveita ocasiões como essas para aparecer mais do que a figura principal. Nada mais triste.»


3

— «E que mais um chefe Quim faria?»

- "Algumas vezes, não é possível enviar todos os escuteiros de uma Secção a uma actividade da Região. Apenas um ou outro de cada Patrulha pode participar. Então, juntam-se seis ou oito escuteiros, geralmente os Guias e os sub-Guias, e eles formam a Patrulha que representará a Unidade na dita actividade. Eis aí uma solução que só deve ser adoptada em último caso. Mas o chefe Quim não procura evitar tal coisa; pelo contrário: isso é de seu agrado e ele pensa: "Estou a enviar a nata de minha Secção à actividade e, desse modo, haverá maiores probabilidades de eles se sairem bem diante das outras Patrulhas.»

— «Realmente. Uma Patrulha formada só pelos Guias e sub-Guias...»

— «Parece uma boa ideia. Mas só parece. Pensa bem: que Unidade é essa da qual só podemos aproveitar meia dúzia de rapazes? A meta deve ser, invariavelmente, enviar todas as Patrulhas de uma Secção às actividades da Região ou qualquer actividade que seja. Não devemos ficar felizes quando só é possível enviar alguns.»

— «Já tinhas falado de uma Patrulha formada só pelos Guias para fins de instrução. Não seria o caso?»

— «Seria o último caso seleccioná-los para uma actividade regional ou nacional. Essa Patrulha formada pelos Guias só existe para fins de instrução. Todos sabemos que os chefes mantêm mais contacto com seus Guias do que com os restantes elementos, e é através de seus Guias que os demais são instruídos. Isso justifica a existência de Patrulhas formadas só pelos Guias para fins de instrução.»

— «Entendo. O objectivo, a bem dizer, é levar instrução à Secção inteira através dos Guias e, não, pensar apenas neles.»

— «Exactamente! Acabas de entender tudo! Nas reuniões de Grupo, por exemplo, instruímos só os Guias e, depois sim, deixamos que cada um deles instrua sua Patrulha para que em seguida tenhamos um jogo cobrando a instrução dada. Não recordo que, justamente no momento do jogo, os não-Guias sejam deixados de lado!»

— «Mas, se alguns escuteiros não têm condições financeiras de comparecer nessas actividades da Região, que devemos fazer?»

— «Em primeiro lugar, as actividades devem ser anunciadas com o máximo de antecedência. Os pais também devem ser informados, no momento em que inscrevem seus filhos no agrupamento, de que essas actividades existem e que, invariavelmente, elas exigem algum dinheiro. Desse modo, nada lhes será surpresa e, bem ou mal, todos terão tempo de poupar alguma quantia se realmente desejam participar neste ou naquele evento. Se há muitas actividades no calendário da Região, de modo que uma Secção não se sinta em condições financeiras de participar em todas, seus escuteiros devem entrar em acordo sobre em quais delas eles desejam comparecer. Assim é mais provavel que Patrulhas inteiras representem a Secção nessas ocasiões. Seria diferente se cada escuteiro procurasse ir a uma actividade distinta, em que ele não veria presentes os restantes elementos de sua Patrulha.»

— «Mas suponhamos que uma Patrulha realmente não possa participar inteira numa actividade. Que se pode fazer nesses casos?»

— «Há mais de uma solução possível.»

— «Qual seria a primeira?»

— «Suponhamos que um escuteiro tenha levantado dinheiro suficiente apenas para arcar com metade dos gastos da actividade. Nesse caso, o agrupamento poderia conceder-lhe uma bolsa-actividade que cobrisse 50% do valor total. O chefe de Unidade deveria então julgar se o escuteiro realmente não tem condições de custear 100% das despesas; e o rapaz beneficiado, via de regra, teria seu nome mantido em segredo. Um chefe que conhecesse bem seus escuteiros saberia fazer esse tipo de avaliação e caberia ao agrupamento reservar, digamos, de 3% a 5% do valor de sua renda para esse fim, ainda que sobrevivesse de mensalidades. A longo prazo haveria uma quantia razoável para essa finalidade. Também poderia haver, é claro, uma bolsa com o valor de 100% da actividade ou qualquer valor necessário para a participação do jovem no evento.»

— «É uma boa ideia. Mas algumas pessoas podem chamar isso de... perdoa-me a palavra; não me ocorre outra... "esmola".»

— «Sinceramente, podem. Mas tão-pouco queremos distribuir esmolas em nosso agrupamento. Queremos, sim, que os escuteiros mereçam essa ajuda. Talvez eu tenha uma história que ilustre bem o que digo. Havia uma Patrulha, certa vez, e um de seus elementos morava longe de modo que ele gastava uma quantia considerável com o transporte à sede do agrupamento. Ele pertencia a uma família pobre e essa soma, numa certa época, pesou tanto no orçamento familiar que seus pais decidiram tirá-lo do agrupamento. O Guia, como tinha um padrão de vida mais abastado e temendo perder um bom explorador que ajudava sua Patrulha a vencer os jogos, passou a pagar as despesas de transporte de seu escuteiro. Para esse Guia, não era uma despesa, mas um investimento que lhe dava lucro. Aquele bom explorador realmente faria falta à sua Patrulha para vencer as outras nas competições da Unidade. Isso, de modo algum, poderia ser chamado de esmola.»

— «Um agrupamento poderia fazer a mesma coisa, tanto quanto lhe fosse possível, e de modo que as Patrulhas pudessem contar com um número mínimo ou conveniente de escuteiros quando houvesse uma actividade regional. Geralmente os organizadores desses eventos aceitam como Patrulha exploradora qualquer conjunto de 5 a 8 exploradores, ainda que uma tal Patrulha [no Brasil] deva ter de 6 a 8 elementos.»

— «Seria um investimento no moral da Secção e na imagem do agrupamento. Afinal, queremos fazer bonito diante de outros agrupamentos. Teremos um nome a zelar, reflecte bem.»

— «Vejo que há solução para tudo!»

- "Geralmente há, principalmente onde existem mangas arregaçadas e boa vontade. Mas falta dizer uma coisa importante. Os pais de um escuteiro beneficiado também devem ter em mente que não se trata de esmola. As pessoas mais orgulhosas (e em geral são justamente as mais pobres) se ofenderiam com a possibildade de se tratar de uma esmola e, assim, jamais aceitariam o benefício. Tão-pouco queremos que os pais se sintam mal com a oferta. Mas, nesses casos, há algo que sempre trago em mente: as pessoas que não precisam pedem sorrindo; mas as que realmente precisam sentem-se às vezes tão envergonhadas que não pedem, de modo que nós é que devemos oferecer-lhes ajuda quando achamos por bem o fazer.»

— «Mas quanto ao valor de 3% a 5% que sugeriste. Qual o motivo dele?»

— «Num agrupamento patrocinado pode ser muito diferente, mas imagina um que sobreviva exclusivamente de mensalidades.»

— «Creio que a maioria dos que conhecemos seja assim. Por favor, continua.»

— «Se tivermos um agrupamento médio (de 100 sócios, digamos) e suposto que o valor da mensalidade seja de 4 Euros, então teremos uma renda de 400 Euros mensais. Cinco por cento desse valor equivale a 20 Euros por mês. Parece pouco, mas via de regra não participamos em actividades da Região todos os meses, e essa quantia se acumularia unicamente para o fim da bolsa-actividade. Em dez meses esse valor chegaria a 200 Euros.»

— «Devemos ter em mente os inadimplentes, não é?»

— «O pior erro nesse caso é deixar que a dívida se acumule. Pois quem não pôde pagar um mês de mensalidade, poderá pagar de uma vez dez meses? É claro que podemos parcelar a dívida, mas o que acontece é que nós mesmos julgamos que não devemos cobrar uma dívida pequena, quando se trata de um mês ou dois de atraso, sob pena de sermos chamados de mesquinhos. "Chamar os pais à sede do agrupamento por causa de 4 Euros? Nem pensar!" alguns dizem tolamente. Todo o mundo gosta da fama de benevolente, não gosta? Mas, para cobrar a dívida ou não, devemos ter uma conversa com os pais. Se houver um motivo sério, saberemos logo e descobriremos a melhor maneira de ajudar. Mas, se for apenas uma desculpa esfarrapada, pelo menos teremos colocado o espertalhão para sorrir amarelo. Alguns têm até o dinheiro da mensalidade em mãos, mas eles próprios dizem entre si que é tão pouco que no próximo mês pagarão duas mensalidades de uma só vez, mas, passados alguns meses, eles acham que o valor acumulado é alto demais. E estou a falar de mensalidades baixas, de uns 4 ou 6 Euros! Para essas pessoas, a maior multa que pode haver não seria cobrar 10% sobre o valor da mensalidade por cada mês de atraso, como é de praxe, mas seria (em vez disso) fazê-los vir à sede do agrupamento, e quero dizer pessoalmente. Uma conversa por telefone estaria fora de questão. Essas pessoas geralmente dão pouco valor às coisas, para que não as chamemos de inconsequentes, pois para elas é muito simples tirar os filhos do agrupamento e metê-los num clube de judo, por exemplo, para que não tenham de pagar a dívida e (como sucede) ainda podem facilmente falar mal do agrupamento. Mas por outro lado elas odiariam ter de se deslocar até à sede quando poderiam estar a participar num churrasco, por exemplo, ou simplesmente a fazer nada em casa. Seria uma multa e tanto para elas! São pessoas que, via de regra, têm dinheiro e o nariz empinado. E, sinceramente, não é uma multa de 10% sobre o valor da mensalidade que fará com que paguem alguma coisa em dia. São diferentes daquelas pessoas que, não podendo pagar, se sentem envergonhadas a ponto de tirar o filho do agrupamento. E, num caso extremo, se tivermos que suspender ou desligar um jovem, devemos pensar que os rapazes podem ser extremamente comprometidos com o agrupamento, mas não os pais. Sendo assim, se esses rapazes tão apegados ao agrupamento não podem meter algum juízo na cabeça de seus pais quando é necessário, nós, pelo bem desses escuteiros, deveríamos tomar algumas precauções como estou a dizer.»

— «Vejo que até a cobrança de mensalidades possui seus segredos. Até isso!»

— «Infelizmente sim. Além do mais, esses que ficam meses, às vezes anos sem pagar, podem muito bem desestimular aqueles que pagam em dia. E, se cobrássemos alguém que sempre esteve em dia, ele simplesmente poderia responder-nos: — "Se quem deve há um ano continua no agrupamento, quem deixou de pagar um mês é que será suspenso?" E teríamos que baixar a cabeça então, se é que somos justos e podemos sentir alguma vergonha. Agora, mais precisamente sobre tipos de pagadores e de devedores, vê que curioso: há os que estão sempre em dia com o agrupamento e às vezes não têm dinheiro para ir a uma actividade, porque são pobres e pagam religiosamente as mensalidades. E há os inadimplentes profissionais, que às vezes vão a um evento da Região justamente com o dinheiro acumulado do calote. O que deveríamos temer é o que diz este texto de Rui Barbosa: "De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça (...), o homem chega a rir-se da honra, desanimar-se da justiça, e ter vergonha de ser honesto."»

— «Vejo que a pior coisa a fazer é realmente deixar que a dívida se acumule.»

— «Mas, apesar disso, talvez ainda possamos fazer algo para incentivarmos os rapazes a participarem nas actividades regionais: eximir seus pais do pagamento de mensalidades no mês do evento, desde que tenham mais de um filho no agrupamento, e desde que mais de um filho vá à dada actividade, é claro.»

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