sábado, 26 de dezembro de 2009

Diálogo XII

Sobre agrupamentos isolados uns dos outros, um momento de privacidade para se formar a Secção, imprimir uma personalidade à Secção, influências externas, contactos com outros agrupamentos, o que se pode aprender, etc.


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— «Quanto mais isolado um agrupamento, mais diferente dos outros ele pode ser», diz Bravo, dando início ao diálogo, «pois o isolamento é que propicia a especiação, se é que me permites empregar um aforismo de Biologia.»

— «Realmente não conheço muitos agrupamentos. Aqueles que conheço, ou melhor, que já vi pelo menos uma ou outra vez são os daqui. Ainda assim, não posso dizer que eu os conheça bem.»

— «Vivemos numa cidade pequena e, seguramente, estamos isolados da maioria dos outros agrupamentos. As actividades regionais ou nacionais tendem a ocorrer nas capitais dos distritos, o que é muito natural. A maioria dos agrupamentos localiza-se nas grandes cidades e a minoria é que deve deslocar-se até aí para tais eventos. Também é natural que esses agrupamentos mantenham mais contacto uns com os outros do que com aqueles do interior, tanto contacto "em pessoa" como por telefone, e-mail, etc.»

— «Isso é óbvio. E, como raramente participávamos em actividades da Região (nem sei se sabíamos o que era Região!), ficávamos restritos aos agrupamentos de nossa cidade. Até certo tempo atrás, o 82 estava fechado e só recentemente foi reaberto. Quanto ao 72, durante muito tempo não mantivemos contacto com ele, devido a uma rixa que hoje em dia já está superada. Sendo assim, até um tempo atrás, estávamos praticamente ilhados, como um Robinson Crusoé que ainda não havia explorado toda a ilha em que se achava perdido, muito menos chegado a qualquer parte fora dela. Também me parece verdadeiro que, agora, o 21 participe mais em actividades regionais do que antigamente.»

— «Isso quer dizer que, muito provavelmente, o 21 tenha preservado mais facilmente certos hábitos devido a esse isolamento, principalmente se lembrarmos que seus chefes estáveis ou duradouros (e estes é que assumiam uma Unidade) sempre eram ex-escuteiros. Ou, ainda, é muito provável que o 21 tenha desenvolvido costumes próprios.»

— «Mas afinal: isso é bom ou mau?»

— «Creio que por um lado seja bom, mas receio que por outro...»

— «Que poderia ser bom nisso?»

— «Manter velhos hábitos, desde que sejam apreciáveis, pois, quanto maior o isolamento, menor a influência externa. Se as características preservadas ou desenvolvidas ao longo desse período de alheamento foram boas, então esse período não terá sido inteiramente mau.»

— «Os agrupamentos de uma grande cidade, via de regra, possuem diferenças menores entre si. São mais parecidos uns com os outros do que conosco. Talvez sejamos uns verdadeiros alienígenas para eles!»

— «Talvez sim! Mas há maneiras de amenizar a falta de contacto. Hoje em dia, por exemplo, podemos acompanhar as actividades de outros agrupamentos pela Internet. Lá estarão algumas fotos e alguns comentários. Muitos agrupamentos possuem um sítio na rede mundial de computadores. Quem tiver curiosidade, pode dar uma olhada a agrupamentos da Inglaterra ou do Canadá e ver o que eles andam a fazer por lá. Outra maneira de amenizar o isolamento é participar o mais possível nas actividades em grandes cidades, para onde acorre um número considerável de agrupamentos, não só os da própria cidade-sede do evento, mas também os de várias cidades do interior do distrito. Os chefes também manterão contacto com outros dirigentes se participarem regularmente em cursos para chefes, seja recebendo instrução, seja auxiliando algum chefe do campo-escola.»

— «Parece que, para aumentar nosso isolamento, alguns de nossos antigos chefes não tinham o hábito de frequentar esses cursos.»

— «Devemos ao menos acompanhar o comboio da História de modo que não fiquemos desinformados do que sucede por aí. De que maneira usaremos esta ou aquela novidade, já é outra história. Não somos macaquitos que a tudo imitam sem pensar antes!»

— «Além do mais, somos escuteiros marítimos. Não parece que haja muitos agrupamentos marítimos por aí. Creio que sejamos realmente um caso à parte!»

— «Mas agora eu que pregunto: isto é bom ou mau?»

— «Somos escuteiros marítimos. Isto (ser escuteiro marítimo) certamente é bom! Mas, quanto a sermos minoria, isso não me apetece muito. Quanto ao facto de não termos sempre estado a par nem ao par de outros agrupamentos...»

— «"Vae soli!" Ai do homem só! Mas será que isso vale para agrupamentos de escuteiros?»

— «Meu Deus! De onde tiraste essa citação?»

— «Do mesmo lugar de onde tirei estas outras duas: "in medio stat virtus" e "in tempore opportuno"», diz Bravo, causando mais risos.

— «O.K., agora explica-me o que queres dizer.»

— «Creio que devamos isolar-nos para manter ou desenvolver certos hábitos, e que devamos ter contacto com agrupamentos de fora para estarmos em dia com o que acontece por aí. Um meio-termo seria conveniente. Ou seja: "in medio stat virtus".»

— «Se estivéssemos a falar somente de actividades ao ar livre, dirias que, além de participarmos em eventos da Região, também deveríamos ter nossos acampamentos de Unidade. Acertei?»

— «No alvo! Somos parte de uma coisa maior, chamada Fraternidade Escutista, mas isso não quer dizer que devamos perder nossa identidade como Secção. Neste último caso, devemos ser únicos ou correremos o risco de sermos medíocres. Participar somente nas actividaes da Região, por mais cómodo que o possa ser, não fará de nós bons chefes, nem dos rapazes uma autêntica Secção.»

— «Agora falta explicar a outra citação e, por favor, fala-me apenas em português daqui por diante.»

— «Não te preocupes. Creio que eu já tenha empregado todas as citações de que precisava. Mas, quanto àquela segunda citação, se começaremos de facto uma Unidade do zero, devemos ter um minuto de privacidade, por assim dizer, para a constituír ou moldar, imprimir-lhe uma personalidade ou estilo. Temos algumas ideias de como deve ser uma Secção e, além disso, queremos evitar certos erros vistos aqui e ali. Desse modo, um momento inicial de isolamento pode ser-nos muito favorável. Mas vê bem: queremos ser nós mesmos e, não, somente estar à altura de algum bom agrupamento. Se vivermos só de influências externas, ainda que sejam excelentes, seremos sempre o reflexo deste ou daquele agrupamento. Não se trata só de evitar uma possível má influência, porque talvez nunca cheguemos a recebê-la se mantivermos contacto apenas com bons agrupamentos, mas também trata-se de evitar esta ou aquela boa influência. Se temos nossas singularidades em matéria de recursos humanos e materiais, então precisamos de seleccionar e adequar ideias e, mesmo em se tratando das melhores ideias do mundo, recusá-las se notarmos que não produzirão os melhores efeitos segundo nossa realidade. Não falamos, em nosso primeiro diálogo, que a própria localização do agrupamento interfere sobremaneira na vida dele? Se me permites uma comparação, eu lhe oferecerei esta: as crianças pequenas são criadas, até certa idade, no ambiente familiar. Depois é que passam a frequentar a escola e a rua. Se não fosse assim, elas não teriam nada de singular que lhes justificasse a casa, o sobrenome, e nós queremos ser uma casa (isto é, um agrupamento) e também ter nosso próprio sobrenome (ou seja, queremos destacar o nome do agrupamento, dar-lhe uma personalidade entre os outros, se bem que este último termo seja mais adequado a indivíduos). Pois bem! Assim como as famílias não pretendem que suas crianças comecem sua educação fora de casa, tampouco queremos que nossos escuteiros comecem a deles fora do agrupamento. Daí esse alheamento inicial. Obviamente, mais tarde, teremos contacto com outros agrupamentos, mas em tempo oportuno. Ou seja: "in tempore opportuno".»

— «Talvez possamos aprender muitas coisas com outros agrupamentos, se realmente existem diferenças entre eles...»

— «Certamente podemos. Agora, recorda que em nosso antigo agrupamento não havia Comunidade. Desse modo, depois de ter deixado a Frota, passei a frequentar a Comunidade do 72 (após ter conhecido o chefe dos companheiros desse agrupamento num curso para chefes). A distância ideológica entre os dois agrupamentos não era tão grande como parecia ou, com o tempo, deixou de o ser, de modo que não foi tão difícil de a transpor.»

— «Passaste a frequentar a Comunidade do 72? Os chefes do 21 não devem ter gostado muito!»

— «A aceitação do 21 foi melhor do que eu esperava. Excepto um gracejo ou outro (o que é sempre melhor do que alguma cara feia), não fui capaz de encontrar nenhuma oposição. E foi então que eu pude ver a diferença entre os dois agrupamentos. Por exemplo: o 72 teve de acamapar noutra cidade, num parque para ser mais exacto, e eles levaram o bambu necessário para os trabalhos de pioneirismo. No parque havia espaço para se erguer um campo, mas a ninguém era permitido extrair madeira. O bambu destinado às construções foi extraído e cortado aqui, no tamanho e em quantidade convenientes, de acordo com projectos de pioneirismo previamente aprovados.»

— «Nunca fizemos nada parecido no 21.»

— «No 21 não pensávamos assim. Eis aí um exemplo do que se pode aprender com outros agrupamentos.»

No verão de 2001,
Breno Melo de Matos

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