terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Diálogo V

Sobre caças ao tesouro, algumas ideias para a sua realização, maneiras de as realizar em áreas urbanas, correcção de alguns vícios, o tesouro, apanhar o espírito da coisa, e panos de fundo


1

— «Houve uma caça ao tesouro», começava a dizer Ròmeo, «que tu venceste. Injustamente, é verdade, porque nem a minha Equipagem nem a outra foram capazes de encontrar o último indício. Só tu o achaste e pudeste vencer.»

— «Realmente foi uma infelicidade o que houve. Mas eis aí um problema a resolver em se tratando de caças ao tesouro em áreas urbanas. O indício que tua Equipagem não pôde achar estava fixo com fita adesiva a uma das pilastras da estação de caminho de ferro. Qualquer curioso, alheio ao Movimento Escutista, poderia ter apanhado o envelope. E realmente fê-lo. Em áreas urbanas, onde podemos enterrar uma caixa que contenha o tesouro?»

— «Esta história não é do nosso tempo, mas já houve uma caça ao tesouro em que ele foi enterrado numa ilha, aquela bem junto à praia. Pode-se chegar lá a pé durante a baixa-mar. Quando a Tripulação que seria a campeã chegou à ilha, cavou como um tatu desesperado aqui e ali e o tesouro não pôde ser encontrado. Mais tarde nem mesmo o próprio chefe com os assistentes acharam a caixa. Chegaram à conclusão de que alguém alheio ao Movimento poderia muito bem tê-los observado enquanto enterravam o tesouro e... Bem, já não preciso de dizer nada.»

— «Noutra ocasião, e esta história já é do nosso tempo, enterraram o tesouro na própria sede do agrupamento. É uma solução para o problema, mas parece-me que, se há algum encanto em deixar a sede à procura de um tesouro, ele quebra-se de algum modo quando voltamos à sede para o encontrar.»

— «Também me parece estranho que se enterre a caixa na própria sede, bem debaixo de nossos narizes e, depois, mandem-nos procurar o tesouro do portão para fora!»

— «Depois de me ter tornado assistente, procurei resolver esse problema e fiz algumas experiências. Numa das caças que planeei, um dos indícios dizia: — "Dar o grito de Tripulação no pátio do prédio da Marinha o mais alto possível." Alfa Lima morava no último andar do prédio, mas no momento do jogo ele estava com os lobitos, já que era assistente na Alcatéia. Pude ficar em seu apartamento e, sempre que ouvia um grito ser dado, aproximava-me da janela, via todos em círculo a olhar para o chão e a gritar, como é de costume, e então eu lhes lançava o envelope que continha o próximo indício. Eu tinha tido o cuidado de meter um pequeno peso dentro de cada envelope, de modo que não fossem levados pelo vento. Depois eu me afastava para que não me vissem; mas ainda assim era capaz de ouvir algumas vozes espantadas: — "Olhem ali! Um envelope! Apanhem-no!"»

— «Realmente fizeste isso?! Meu Deus, só tu mesmo!»

— «Mas a parte trágico-cómica não te contei ainda. Numa das vezes, quando fui lançar um dos envelopes, ventava bem mais forte e fiz o lançamento com ainda mais força. O envelope afastou-se tanto do prédio, que pensei que ele pudesse ultrapassar os limites do pátio e da área de desportos abaixo. Mas o vento o foi trazendo de volta até que caísse aos pés do prédio, depois de ter descrito no ar uma curva bem fechada.»

— «Deus gosta mesmo de ti; sempre ajuda-o quando tudo corre o risco de ir por água abaixo. Pelo menos o envelope não foi extraviado por mãos de terceiros nem pela Mãe Natureza.»

— «Ao menos isso. Mas, quanto ao tesouro, ele ficou numa loja e deveria ser entregue à Tripulação campeã tão-somente através de uma senha verbal (descoberta quando eles decifravam o último dos indícios, quando também descobriam a localização da loja). Nesse caso, é preciso dizer aos escuteiros que não entrem todos de uma só vez no estabelecimento. Um é o suficiente. Penso até mesmo que meio escuteiro seja o bastante. Recorda que pedimos um favor ao dono da loja, mas não para o atrapalhar. E, sobre o momento de ditar as regras do jogo, isso é feito "antes" que ele comece, isto é, "antes" que os escuteiros tenham em mãos o primeiro indício. É então que lhes apresentamos umas poucas regras, como: 1) Se tiverem de entrar em alguma loja, que seja apenas um de vocês; 2) A área do caçada são os bairros X, Y e Z: nunca passem desses limites em hipótese alguma; e 3) Encontrado ou não o tesouro, estejam de volta antes das 11 horas (damos mais tempo que o necessário para que achem o tesouro, é claro; não é justo que tenham de voltar quando estejam quase a pôr as mãos nele); etc. E, por experiência própria, nunca entregues o primeiro indício antes disso; eles ficam agitados demais, crê em mim, ou não prestam atenção a ti ou ficam a cochichar entre si.»

— «De facto, uma Patrulha inteira que entre desesperada numa loja não seria bom para os negócios.»

— «Nem queremos causar má impressão a ninguém, usando ou não o uniforme escutista. Alguns chefes simplesmente pedem que eles sejam educados quando estiverem em ambientes públicos, mas, nesse caso, não funcionaria; no momento do entusiasmo todos teriam entrado na loja ao mesmo tempo, suados e a correr. É importante imaginar de antemão tudo o que possa suceder e resumir-lhes o que pode e o que não pode em poucas regras.»

— «Ao menos essa caça ao tesouro pôde chegar ao final, não pôde?»

— «Felizmente, sim. Mas, antes que haja uma caça, é preciso haver alguns jogos preparativos. Uma caçaria ou gincana são óptimos preparativos. Daí pode-se ter uma ideia de como os rapazes se comportariam. Em todo caso, devemos começar por uma caça ao tesouro bem simples. Depois é que vamos complicando as coisas cada vez mais.»

— «Creio que já devas ter aplicado alguma gincana ou caçaria à Flotilha.»

— «Uma caçaria, tu sabes, consiste numa lista de ítens a obter. A Patrulha que for capaz de os reunir no menor tempo possível, vence. Mas uma vez, como eu quis complicar um pouco as coisas, escrevi cada palavra da lista de trás para a frente e, enquanto a Flotilha procedia à rotina no pátio, escondi no interior da sede os envelopes que continham as listas. Uma boa fita adesiva ajudou-me a fixá-los nos sítios mais "maldosos" possíveis. Debaixo de um dos bancos de madeira, por exemplo. E também atrás de uma porta que sempre ficava encostada contra a parede. Depois da bandeira e da inspecção, passei a explicar o jogo. Disse-lhes que a lista tinha sido escrita num código que eu não sabia qual era, mas que esperava que eles pudessem descobrir. Mostrei-lhes um dos envelopes usados para o jogo e expliquei-lhes: — "Procurem apenas envelopes iguais a este. Estão todos lacrados e com o carimbo do agrupamento." Mas, para que a sala do chefe fosse poupada da fúria escutista, eu lhes assegurei que os envelopes poderiam estar em qualquer parte da sede, "excepto entre os documentos da sala do chefe".»

— «Creio que eles tenham encontrado todos os envelopes, mas quanto ao código dificílimo que usaste?»

— «Realmente levaram algum tempo até que o decifrassem. Lembro que houve um Timoneiro que chegou a dizer em voz alta, espantado: — "Está de trás para a frente!"»

— «E quais eram os itens da lista?»

— «Somente coisas simples: um cartão telefónico com exactamente 5 unidades; o jornal X de ontem; o jornal Y de anteontem; um objecto preto e branco; um objecto verde-e-amarelo; uma gramática; etc. Mas, quanto a códigos secretos, há um erro que devemos evitar. Tenta lembrar-te de alguma caça ao tesouro e diz-me como começa.»

— «Todo o mundo sabe como começa uma caça ao tesouro. O chefe reúne os Guias enquanto os restantes escuteiros da Secção são vítimas de um jogo qualquer, aplicado pelo assistente. Os Guias, em sigilo absoluto, recebem instrução do chefe a respeito da caçada e do código a usar. Na verdade, é quando geralmente o Guia aprende o código que será empregado.»

— «E depois? Que acontece?»

— «Cada Guia toma sua Patrulha, corre para um canto e põe-se a decifrar o primeiro indício enquanto seus escuteiros param a olhar.»

— «Só o Guia decifra? Não te parece estranho?»

— «Pensando bem, muito estranho.»

— «Geralmente os indícios são curtos, uma frase que se resuma a uma linha ou duas, mas às vezes é bem mais longo. Então suponhamos que um indício seja um texto de doze linhas. Cada escuteiro (numa Patrulha de seis elementos) poderia muito bem decrifrar um bom par de linhas. Se todos fizessem isso ao mesmo tempo, seria uma grande vantagem para eles, já que se trata de um jogo de corrida contra o tempo. Podemos corrigir isso de duas maneiras: 1) Passamos aos Guias o código que será usado, mas sem lhes informar que haverá uma caça, ou será um Deus-nos-acuda. Deixa que eles suspeitem o quanto quiserem, mas não lhes dês a certeza de nada; e, depois, concedemos-lhes algum tempo para que ensinem o código a seus escuteiros. Só a seguir é que falamos de caça ao tesouro; e 2) Fazer a mesma coisa, mas numa reunião de Grupo anterior e cobrar-lhes a instrução através de um jogo simples, como é de praxe. Adoptar um código para a Secção também ajuda muito, mas não deve ser o único usado em caças ao tesouro. E realmente existem vários tipos de códigos secretos.»

— «Só conheço um e receio já tê-lo esquecido!»

— «Eu também só conhecia um, mas acabei por aprender alguma coisa aqui e ali. Permite-me que te mostre um que, a meu ver, é bastante interessante. É um código de transposição de letras e aplica-se-lhe um número-chave.»

E Bravo pôs-se a explicar-lhe o código. Creio que não haja necessidade de reproduzir a explicação aqui. De qualquer modo, até mesmo numa boa enciclopédia (como a Mirador), se procurarmos o verbete "cifragem", haverá bons exemplos. É de esperar que todo chefe conheça pelo menos alguns tipos de cifragem, de modo que possa escolher aquela que melhor se adapte às suas necessidades. Mas voltemos ao diálogo.

— «Vês como é fácil?»

— «Não me parece muito complicado.»

— «Com esse código pude resolver aquele velho problema nosso: numa área urbana, onde deixar os indícios de modo que nenhum deles seja extraviado? Nas mãos dos próprios escuteiros! Eis a solução. Quem lhes arrancaria os indícios?»

— «Deves estar a brincar!»

— «Acompanha meu raciocínio. Antes de mais nada, usei um código de transposição de letras para escrever todos os indícios, cada um numa folha, mas de modo que cada indício exigisse um número-chave diferente. O primeiro número-chave, que decifraria o primeiro indício, foi-lhes entregue de mão beijada. Assim, eles puderam decifrar a primeira mensagem.»

— «E como eles puderam saber em qual folha estava a primeria mensagem ou indício? Numeraste as folhas obviamente.»

— «Eis a questão. Não numerei os indícios. Era impossível saber qual era o primeiro, o segundo, o terceiro e o quarto.»

— «Então, como eles souberam qual dos quatro era o primeiro?»

— «Simples. O número-chave que eu lhes tinha fornecido servia para decifrar apenas a primeira mensagem.»

— «E se eles tentassem usar esse número-chave para decifrar as outras mensagens?»

— «Simplesmente não conseguiriam. Por isso não numerei os indícios. Era minha intenção que eles tivessem de descobrir sozinhos qual era a primeira mensagem, por tentativa e erro.»

— «Vejo que lhes querias dar um pouco de trabalho. Mas quanto ao segundo número-chave para decifrar a segunda mensagem?»

— «O conteúdo da primeira mensagem dizia-lhes como o conseguir. Vê um exemplo de indício: "Ir à rua X, número Y e observar a fachada do prédio". Na fachada deveria haver o ano em que ele foi construído, isto é, um número de quatro algarismos que deveria ser usado como número-chave. Vê outros exemplos de indício: 1) "Conseguir os últimos quatro números do telefone do senhor X" (algum amigo do agrupamento, preferencialmente, caso sem motivo algum decidam telefonar para o proprietário da linha; nunca se sabe o que pode acontecer e é sempre bom ser precavido; não queremos que se espalhe a notícia de que os escuteiros andam a pregar peças por aí; e o número pode ser obtido facilmente numa lista telefónica encontrada em qualquer estação telefónica); 2) "Os últimos quatro números do CEP da cidade Y" (que eles podem conseguir na estação postal mais próxima; e é bom escolher uma cidadezinha que poucos conheçam); 3) "O ano de nascimento de Antero de Quental escrito de trás para a frente" (se houver uma biblioteca pública por perto, eles o descobrirão facilmente); etc. Mas tem em mente que os indícios devem exigir coisas possíveis. Vê que esses exemplos que te apresentei só poderiam ser usados por nós porque no centro de nossa cidade há um prédio com aquela característica, uma estação telefónica, uma estação postal e uma biblioteca pública (estabelecimentos que estarão a funcionar no momento do jogo e aos quais um bom chefe vai previamente para confirmar, por exemplo, que o número do senhor X consta da lista). Também tem o cuidado de fazer com que o percurso seja o mais longo possível, isto é, se o prédio de nosso exemplo é o primeiro sítio a que devem ir, e se aquela estação postal é o segundo, devo dizer que tais sítios estarão bem afastados um do outro, de modo que para obter todos os indícios os escuteiros tenham de cumprir um percurso em ziguezague e, não, simplesmente em linha recta. Para algumas pessoas, isso poderia paracer maldade, mas, para os escuteiros, uma caça ao tesouro que fosse sinónimo de "ficar deitado na rede de dormir" não teria a mesma graça.»

— «Creio que seja equivalente àquela graça que eles encontraram ao procurar os envelopes na sede, durante a gincana.»

— «O jogo não teria tido a mesma graça se eles não tivessem de procurar os envelopes, nem "decifrar", ou se a caçada aos ítens da lista tivesse sido algo extremamente fácil. Não devemos poupá-los de suar a camisola se eles se divertem com isso.»

— «E se algum escuteiro adivinhar o número-chave?»

— «Seria o mesmo que ganhar na lotaria. Há pessoas que apostam a vida inteira e nunca acertam. Então, quais são as probabilidades de um escuteiro adivinhar um número-chave em 90 ou em 120 minutos? É o tipo de coisa inventada em tempos de guerra para passar uma mensagem adiante, de modo que, uma vez que a mensagem fosse interceptada pelo inimigo, não pudesse ser compreendida por ele. Mas hoje, com a invenção dos supercomputadores, esses códigos mais simples servem mesmo é para uma boa caça ao tesouro.»

— «Usaste quatro indícios ao todo, não?»

— «Sim, mas no futuro penso em usar indícios falsos também. Nesse caso, seriam mensagens indecifráveis, isto é, não haveria para elas nenhum número-chave. Isso obrigaria os escuteiros de uma Patrulha a tentarem decifrar ao menos um indício cada um. A Patrulha que não agisse assim, ficaria em desvantagem. Afinal, o objectivo é que não só o Guia tenha de meter as mãos na massa nesse momento, mas também cada um dos outros escuteiros pertencentes a uma Patrulha.»

— «Bravo! Bravíssimo! Nunca mais teremos de esconder indícios por aí. Mas agora diz-me: onde o tesouro foi enterrado?»

— «No cacifo de um supermercado. O dono consentiu nessa gentileza. A chave do cacifo foi metida num envelope com a localização do supermercado.»

— «E onde ficou o envelope?»

— «O último indício levou a Patrulha campeã a uma loja. Bastaria procurar determinada pessoa e dizer-lhe uma senha, acordada previamente com a pessoa que estaria lá naquele momento. Obviamente, uma pessoa de confiança. Para encurtar a história, poderíamos ter feito com que a Patrulha campeã fosse directamente ao supermercado. Mas agora penso que poderíamos ter usado a caixa postal do agrupamento, por exemplo, e até mesmo ter entregue uma cópia daquela chave a cada Patrulha desde o início do jogo, juntamente com todos os indícios, desde que tivéssemos a certeza de que eles não imaginariam, até o último instante, para que serviria a chave.»


2

— «Voltemos ao início da conversa. Naquela caça ao tesouro que só tu pudeste vencer... estou a tentar lembrar... qual foi mesmo o tesouro?»

— «Nada!»

— «Nada?!»

— «Exactamente. Coisa nenhuma. Nada.»

— «Estás a brincar!»

— «Estou a falar a sério. O chefe apareceu, lançámos alguns foguetes do alto do morro para anunciar o fim do jogo e só. Eis o desfecho do jogo. Como estás a ver, não te preocupes por não teres vencido. Foste poupado de subir ao morro.»

— «Nem um distintivo velho? Nem uma caixa de bonbons?"

— «Apenas "suor, sangue e lágrimas"! Não me estou a queixar, mas acho que deve sempre haver um tesouro, alguma coisa material. Não estou a falar de nenhum objecto de valor, como ouro ou prata, mas alguma coisa que possa ser da estima dos rapazes, cara ao moral da Patrulha campeã. Tão-pouco deveria ser qualquer espécie de vale para que a Patrulha só o utilize depois, a não ser que sejam bilhetes para o cinema, por exemplo. Bilhetes para o museu se os rapazes não vibram com essa ideia, por mais que se queira fazê-los ir lá, não seria prémio para eles. O gosto deles é que importa; não o nosso. Dizer nesse momento que o bonito é fazer as coisas sem esperar recompensa, é não entender uma caça ao tesouro; porque esse não seria o melhor momento para fazer discursos altruístas. A Patrulha deve ter a sensação de ter conquistado alguma coisa exactamente no momento em que ela encontra o tesouro. Um chefe não deveria nunca dizer "Agora não há nada para vocês, depois eu vejo qualquer coisa", a não ser que pretenda arruinar a bela imagem que os escuteiros costumam ter desse tipo de jogo. Um bom conselho é que o chefe de Unidade tenha sempre a preocupação de ir conseguindo aqui e ali alguma coisa que sirva como tesouro mais tarde. Por exemplo: todo agrupamento faz compras na loja de sua Região ao menos de vez em quando. Pode-se ir adquirindo alguns distintivos a mais, principalmente os comemorativos e aqueles que ao longo do tempo vão ganhando valor. Como sempre há jovens que prezam suas mantas de fogo de conselho, esses distintivos serviriam muito bem para uma caça ao tesouro num futuro próximo.»

— «Vejo que teremos óptimas caças ao tesouro em nossa Unidade.»

— «No que depender de nós, teremos as melhores caças ao tesouro do mundo! Para um chefe, o mais importante é apanhar o espírito da coisa. Alguns chefes realizam uma caça ao tesouro como quem faz uma concessão à Secção, porque os rapazes ansiavam por uma e não paravam de a pedir, e então criam aqueles jogos de um só indício para que não tenham fama de malvados, pois não querem que seus escuteiros digam "Meu chefe nunca faz caças ao tesouro!" E, depois que já decepcionaram os rapazes, esses chefes anunciam com satisfação: — "Eu não lhes tinha dito? Eles é que não gostam deste tipo de jogo!" Mas devemos lembrar que, depois da primeira caça, deve vir a segunda e a terceira; não é algo que termine. Sendo assim, para começar, qualquer chefe poderia ler O Escaravelho de Ouro, de Edgar Allan Poe. Se ele ao menos gostar da história, já será um óptimo passo. Quanto ao pano de fundo, como não enterraremos um baú de madeira numa praia nem os rapazes terão de usar bússolas para o localizar, porque estávamos a falar de caças ao tesouro em áreas urbanas, penso que as histórias de espiões sejam as mais adequadas.»


3

— «E quanto a enterrar baús de madeira na praia?»

— «Deixemos isso para os acampamentos ou para as excursões, principalmente quando estivermos à beira-mar em algum momento da actividade. Preparámos tudo com pelo menos um dia de antecedência. Depois, basta que dois dirigentes partam à frente com uma hora ou duas de antecedência para enterrar o tesouro e fiquem por lá. Um terceiro dirigente fica com os rapazes, aplica um jogo qualquer pelo caminho, etc., de modo que os outros dois ganhem tempo. E, muitíssimo importante, lembra-te de não enterrar o tesouro onde já estará coberto pela maré no momento em que os rapazes chegarem a ele. As praias com faixa de areia estreita são um perigo! Se estás inseguro, enterra-o literalmente em terra firme; não uses a faixa de areia. Também verás que pequenas caixas de madeira são bem melhores do que grandes baús para se enterrar e, mesmo enterrando-os na areia da praia, cuidado para que os escuteiros não identifiquem o sítio exacto onde está o tesouro assim que cheguem a ele, simplesmente por notarem que a areia ou a terra foi revolvida. Tem o cuidado de, nas reuniões anteriores, já teres aplicado jogos que exijam o emprego de bússola e de códigos secretos.»

— «Parece que pode haver muitos imprevistos numa caça ao tesouro...»

— «Só há um modo de alguém os evitar ou, pelo menos, lhes reduzir o número: imaginar de antemão tudo o que possa suceder e se preparar para isso. Sendo assim, se achas que uma Patrulha seguirá a outra, cria percursos diferentes para elas, embora uses os mesmos indícios. Se achas que um sítio não é seguro para deixares nele um indício ou o próprio tesouro, então não os deixes aí. Se queres ter a certeza de que eles saberão empregar o código no momento da caça, aplica um jogo simples numa reunião anterior, empregando o código que será usado mais tarde. Queres que os escuteiros não se extraviem para bairros distantes? Delimita a área do jogo e fá-los saber disso "antes" do jogo. Queres que eles voltem dentro de determinado tempo em vez de passarem o dia todo sem retornar à sede, de modo que os pais e tu não tenham de esperar por eles por tempo indeterminado? Diz-lhes que, encontrado ou não o tesouro, devem estar de volta à sede do agrupamento "antes" de determinada hora, e nem um segundo depois, e que isso é realmente uma "ordem", mesmo que alguns tenham aversão a essa palavra. Não vejo melhor ocasião para ser autoritário. Enfim, voa com o pensamento a toda parte, como diria aquele poeta, e já terás evitado milhões de imprevistos; os restantes imprevistos evitá-los-ás através de experiências alheias, como estás a fazer agora ao reflectires sobre o que te digo, e também, obviamente, através de tua própria experiência quando já tiveres aplicado alguns jogos do género.»

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