terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Diálogo VI

Sobre por quais motivos fecham os agrupamentos


1

— «Porque fecham os agrupamentos?» perguntou Bravo lentamente, dando início à questão.

— «Queres saber o porquê?»

— «Sim. Pensa bem. Porque um agrupamento fecha?»

— «Bem... Para que preocuparmo-nos com isso? No momento não pretendo fechar nenhum agrupamento.»

— «Mais um motivo para que pensemos sobre o assunto. Não queremos lançar as sementes de uma coisa que morrerá em breve. Queremos um agrupamento auto-renovável e, se me permites a utopia, eterno. Sendo assim, porque eles fecham?»

— «Chega o dia em que as pessoas perdem o interesse, os escuteiros se vão afastando e o próprio chefe, enfim, deixa o agrupamento para cuidar da própria vida.»

— «Pois eu digo que há sempre mais jovens interessados em continuar do que adultos. Geralmente o que falta é um chefe. Alguns rapazes abandonam a Secção logo nas primeiras semanas. Esses não sabiam o que era Escutismo e, uma vez dentro de uma Unidade, descobrem que não gostam do Movimento. Nem todos os rapazes nascem para a vida ao ar livre e alguns odeiam qualquer esforço físico. Mas, para que possamos dizer que um rapaz não gosta do Movimento Escutista, primeiro temos de lhe oferecer uma mostra do verdadeiro Escutismo.»

— «Afinal, que estás a tentar dizer?»

— «Que os rapazes, uma vez que mantenham contacto com o verdadeiro Escutismo, raramente dizem que não gostam dele e abandonam o agrupamento. Entretanto, um bom Grupo Explorador ou Pioneiro pode fechar ainda que haja inúmeros escuteiros contrários à ideia de fechamento. E, se a Unidade fecha, é porque chega o momento em que lhe falta um chefe. É um erro pensar que somente os Grupos que vão muito mal correm o risco de se extinguirem.»

— «Já podemos concluir então que não basta a um Grupo ser bom para ver assegurada sua existência. Desse modo, porque um Grupo que esteja em sua melhor fase correria o risco de fechar?»

— «Como eu disse, há sempre mais jovens do que adultos para manter uma Secção. As estatísticas estão aí para o provar. E, se o recordarmos bem, concordaremos que o Movimento é para os jovens.»

— «O Escutismo, de facto, é um movimento juvenil.»

— «Mas ainda assim não é aí que reside a questão. Proporcionalmente, há chefes suficientes em relação ao número de jovens no Brasil. Basta termos acesso a algum censo sobre o assunto. Se dividirmos o número de chefes pelo número de Lobitos, Exploradores, Pioneiros e Caminheiros, veremos que o X da questão tão-pouco reside aí. Então, onde deveríamos procurar o erro?»

— «Vamos ver. Temos um bom Grupo, um bom chefe (eu presumo) e uma boa quantidade de escuteiros... Mas ainda assim essa Unidade pode fechar? Explica-mo melhor.»

— «Não estou a falar de um cometa que caia sobre a sede do agrupamento ou coisa parecida. Estou a falar de coisas que acontecem. Há agrupamentos por aí fechando as portas e muitas pessoas não compreendem o porquê. Como, depois de tanto tempo, um agrupamento poderia fechar?»

— «Os tempos mudam; as pessoas passam a interessar-se por outras diversões. Hoje em dia há tantos atractivos que não existiam até há algumas décadas!»

— «Onde há mais atractivos oferecidos pela vida moderna? Numa cidade pequena ou numa metrópole como São Paulo?»

— «Certamente em São Paulo há bem mais atractivos do que aqui onde vivemos. Isso não se discute.»

— «E ainda assim há inúmeros agrupamentos em todas as grandes cidades brasileiras e, às vezes, nenhum nas pequenas cidades tão carentes de atractivos. Pois eu digo que há muitas pessoas que frequentam a Universidade, vão à praia e aproveitam a vida nocturna de suas grandes cidades e, ainda assim, dedicam-se ao Movimento. Não devemos imaginar que as pessoas só se interessam pelo Escutismo por extrema falta de opções de lazer. Além do mais, não classifico o Movimento Escutista como uma forma arcaica de diversão, facilmente substituível por qualquer forma moderna de entretenimento.»

— «O.K., voltemos à questão. Porque fecham os agrupamentos?»

— «Que um agrupamento tenha fechado porque passou por dificuldades, isso é realmente óbvio. Mas agora diz-me: porque uma Secção, tendo vários aspectos favoráveis, poderia fechar? Geralmente os jovens são os últimos a abandoná-la. Somente quando as reuniões deixam a desejar e depois de um longo tempo de insistência por parte deles, é que perdem as esperanças e procuram coisa melhor com a qual ocupar-se. Não raro, passam a ocupar-se com nada! Nesse caso, é o chefe que fica só e diz algo do tipo: — "Os jovens de hoje já não se interessam pelo Escutismo!" ou: — "A concorrência dos lazeres modernos é muito grande. É uma luta injusta!"»

— «Mas antes estavas a falar de uma boa Secção, em que havia aspectos favoráveis.»

— «Nesse caso, é o chefe que geralmente abandona os rapazes. Há boas reuniões, os escuteiros participam regularmente, etc., mas, devido a algum problema particular, o chefe é obrigado a afastar-se.»

— «Não haveria um substituto?»

— «Agora chegamos ao X da questão. Imagina que o último chefe da última Secção de um agrupamento tenha de se ausentar por tempo indeterminado. Não importa o motivo; o importante é dizer que ele tem de se ausentar. Ele era um bom chefe e havia boas reuniões. Nesse caso, as pessoas dirão: — "Já não há uma alma bondosa neste mundo que faça um serviço voluntário!" ou, então: — "Chefe como este já não se encontra mais. Que se pode fazer?"»

— «Sendo assim, porque os adultos já não querem dedicar-se ao Movimento?»

— «Pois eu digo que eles querem. Não te enganes: nós somos prova de que há adultos desejosos de participar. Sempre houve e sempre haverá interessados. O Homem, em seu íntimo, é o mesmo em todos os tempos e sítios. Os sentimentos que movem o mundo jamais mudam. Eis aí o segredo de tudo. Sendo assim, que estamos a fazer de errado?»

— «Eu realmente não sei. O facto é que alguns agrupamentos fecham por falta de chefes. Ao menos sobre isso concordamos.»

— «Então, se um agrupamento fecha, é porque um adulto se retirou e não houve uma alma caridosa que o quisesse substituir? Essa é uma resposta infinitamente ingénua. "Felix qui potuit rerum cognoscere causas".»

— «Meu Deus! Esqueceste-te de traduzir isso. Queiras falar-me em português por favor.»

— «"Feliz de quem pode penetrar a causa secreta das coisas". E permite que eu diga mais: quando um agrupamento fecha, isso é o resultado de um longo processo. Nenhum agrupamento fecha da noite para o dia como pode parecer. Se fizermos como Tucídides e dividirmos as causas dos acontecimentos em subjacentes e imediatas, entenderemos perfeitamente porque fecham os agrupamentos.»

— «Então, por favor, faz-me entender. Como fazia Tucídides?»

— «Mais ou menos assim. Se o último chefe da última Secção de um agrupamento enfarta, é abduzido por alienígenas ou simplesmente abandona sua Unidade por qualquer motivo, e não há substituto, essa será a causa imediata, aquela que satisfaz as pessoas de "mentalidade ingénua", mas não satisfaz plenamente as pessoas de "mentalidade crítica" (se é que posso empregar termos de Sociologia). Pois bem! Agora falta saber quais seriam as causas subjacentes, isto é, o que explica a força poderosa da causa imediata, que, de outro modo, não teria o mesmo efeito sobre os acontecimentos. Para isso, sempre é preciso voltar atrás no tempo. Já falamos a respeito de agrupamentos "de bairro" e daqueles que não o são. Foi em nosso primeiro diálogo. Imagina então um agrupamento que não seja exactamente "de bairro" (como o 21 que já conhecemos) e que, ao longo de toda a sua história, 99% de seus chefes tenham sido ex-escuteiros. Imagina agora esse agrupamento em seu auge, havendo nele muitos Lobitos, Exploradores, Pioneiros e alguns Caminheiros. Agora, sim, imaginemos o começo do fim. Num belo dia o Clã, que era já pequeno, fecha. Ninguém tem muita pressa de reabrir essa Secção e muitos dos pioneiros que atingiram os 18 anos e fariam parte do Clã, ou deixam imediatamente o agrupamento ou se tornam chefes. Alguns adultos chegam a lamentar, mas na prática nada é feito. Mais tarde, é a vez de o Grupo Pioneiro fechar. Nesse caso, os exploradores raramente continuam no agrupamento ao completarem 15 anos. Aqueles que realmente desejam continuar no Movimento procuram outro agrupamento e, mais raramente ainda, voltam a seu agrupamento de origem após deixarem o Clã no novo agrupamento. Afinal de contas, quem terá lucrado quando alguns desses jovens decidirem tornar-se chefes, será justamente esse outro agrupamento. Pois bem! Entre o Grupo Explorador e a chefia passou a existir um buraco na caminhada daqueles escuteiros que, um dia, se tornariam chefes. Mas nem sempre é preciso que algumas Secções encerrem as actividades. Algumas vão minguando e passam a funcionar tão infimamente, que logo se tornam incapazes de oferecer dirigentes ao agrupamento. Se uma Secção possui vários jovens, é preciso lembrar que só alguns, talvez apenas um se torne um bom chefe no futuro. E, se havia um Clã e ele fecha, significa que o Grupo Pioneiro deve ser observado mais atentamente. Que estaria errado? Todo esse processo não acontece da noite para o dia. Pode ser um processo de muitos e muitos anos. E, quem sabe entender um processo desse tipo, sabe prever-lhe o resultado.»

— «Pensando bem, geralmente a primeira Secção a desaparecer num agrupamento é o Clã.»

— «É um péssimo sinal. E geralmente o começo do fim num agrupamento que não seja "de bairro". Quanto a admirar o facto de que os pioneiros se tornem chefes ou assistentes sem que tenham passao pelo Clã, não é, em absoluto, admirável. Quanto mais um jovem mantiver contacto com o agrupamento como escuteiro, maiores as probabilidades de ele se tornar um dirigente e continuar como tal. Há-de haver o maior número possível de laços entre o jovem e o agrupamento. Trata-se de pura Psicologia! Isso não é só admirável, mas também desejável.»

— «E porque não poderia haver esses mesmos laços enquanto o jovem fosse chefe ou assistente?»

— «Ele desejará ser chefe quando já não puder participar numa Secção como escuteiro. E, quanto mais cedo ele começar como chefe, menos laços teremos que o incentivem a ser um dirigente. Deixa que eles comecem como assistentes quando estiverem no Clã e, só depois disso, permite que eles sejam chefes, salvo algum caso de extrema necessidade, se tivermos que escolher dos males o menor. É claro que muitos escuteiros têm o desejo de se tornarem chefes, desde tenra idade, mas é um sentimento ainda pueril. Se prestares atenção, notarás que, na mente deles, ser chefe é dar ordens e ser prontamente atendido. Ou, na linguagem de alguns rapazes, "mandar e repreender". Sabemos muito bem que esse não é o retrato fiel de um autêntico chefe. A maior parte de nosso trabalho (cerca de 60%) não é vista pelos outros, sejam estes os rapazes, sejam os pais, porque consiste em dirigir a Secção, e esse é um trabalho para a mente, geralmente feito quando estamos sentados a uma mesa de escritório. Infelizmente, somos notados apenas quando estamos em movimento, fora das portas da sede, o que leva até mesmo alguns dirigentes a pensar puerilmente que chefe só serve mesmo para "mandar e repreender", e o pior de tudo: acabam por agir assim, deixando de planear até mesmo as reuniões de Grupo, ou resumindo o programa de actividades de um acampamento a uma bola de futebol! É uma pena que o trabalho intelectual não seja tão apreciado, mas saibamos que o planeamento vem antes da acção. E, como o Escutismo não deixa de ser sinónimo de "acção ao ar livre"...»

— «Concordo em género, número e grau. Mas, num agrupamento "de bairro", porque os pais se eximem da chefia?»

— «É preciso lembrar que parte dos adultos exerce outras funções. Um agrupamento não é feito apenas de chefes. Mas em todo caso há-de haver laços que unam os pais ao agrupamento. Por exemplo: ter um filho no agrupamento é um vínculo ou laço; ter amigos no mesmo agrupamento, outro vínculo. Mas, quando digo amigos, quero dizer isto: pessoas que não mantêm contacto somente devido às suas atribuições no agrupamento, mas que se vêem também fora dele para actividades não-escutistas. Todos esses laços, é claro, também podem ser observados num agrupamento que não seja "de bairro".»

— «Pois bem! "Feliz de quem pode penetrar a causa secreta das coisas!" Mas ainda tenho uma dúvida. Porque geralmente a 2ª Secção é a última a fechar?»

— «Geralmente essa Secção é a "preferida" de um agrupamento. A 2ª Secção também é, e eis o ponto mais importante, a que conta com o maior número de escuteiros no Movimento Escutista. Portanto, é aquela que pode absorver o maior número de erros de um chefe antes que sucumba, principalmente se o afluxo de novos elementos (vindos da Alcateia ou não) for realmente grande. Há Grupos Exploradores em que apenas uns 20%, 30% de seus elementos de 11 anos chegam à 3ª Secção, porque os outros 70%, 80% não chegam a passar mais de um ano ou dois no Grupo Explorador. Mas esse Grupo está sempre vazio? Não, nunca, simplesmente porque a entrada de novos elementos dá-se em quantidade excepcional.»

— «Realmente é incrível. Havendo bons chefes, seria possível ao agrupamento ter pelo menos dois Grupos Exploradores, talvez três!»

— «Quando um agrupamento encolhe até resumir-se a um Grupo Explorador, é preciso reflectir grandemente. Mas creio que eu ainda tenha um bom conselho a oferecer. Quando alguém previne um mal, geralmente não vê seu esforço reconhecido. Alguns duvidam de que ele realmente tenha feito algo pelo agrupamento, e outros (que percebem o facto) até mesmo se calam, talvez por serem minoria. Esse é o herói desconhecido e, algumas vezes, chega a ser criticado ingenuamente. Mas aquele que só resolve um problema depois que ele acontece, quando todos já sentiram na carne seus efeitos, esse, então, é o herói aplaudido por todos e ninguém o critica. Mas às vezes esse herói louvado por todos poderia muito bem ser chamado de negligente. Infelizmente, para as pessoas é mais fácil sentir um problema na carne (quando ele já é óbvio) do que, com antecedência, abraçá-lo com a mente e evitá-lo. "Voa com o pensamento a toda parte", portanto, a fim de evitar problemas futuros, mas que nascem desde o dia de hoje. Eis aí a melhor divisa para quem quer evitar problemas. Mas, àquele a quem falta a pena da Razão, "não há mal que lhe não venha".»

Nenhum comentário:

Postar um comentário