sábado, 26 de dezembro de 2009

Diálogo VII

Sobre a melhor maneira de obter competências e especialidades, a pior maneira, critérios para que a Unidade seleccione quais requisitos deseja cumprir, como e quando avaliar escuteiros que desejam satisfazer as exigências de uma prova, e cerimónias surpresas de entrega de distintivos e insígnias


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— «No Frota, obtivemos algumas competências, e só Deus sabe como, porque agíamos por nossa conta e risco. Tínhamos de adquirir o conhecimento necessário sozinhos e imaginar alguma maneira de provar ao chefe que estávamos aptos. Tínhamos de pedir ao chefe que ele avaliasse se havíamos cumprido este ou aquele requisito. Não havia um programa de instrução voltado para nenhuma espécie de provas, porque, na verdade, não havia programa de instrução algum! Não havia, portanto, "o benefício da continuidade" em matéria de instrução, mas somente a disseminação aleatória de conhecimentos aqui e ali. Não havia, infelizmente, uma relação muito sólida ou estável entre instrução e actividades ou jogos. É um milagre que tivéssemos alcançado qualquer competência!»

— «Então», diz Ròmeo, «teremos de fazer o que alguns de nossos antigos chefes não fizeram. E parece que será o contrário de tudo isso que acabas de falar.»

— «Será o extremo oposto, eu digo. Como conquistar a competência de Campista numa Unidade que raramente acampa? E, seja qual for o requisito que se queira cumprir, como o fazer se nunca temos a oportunidade?»

— «Isso é verdade. Se a competência pede que acampemos, pelo menos, durante certo número de noites, como a conquistar se a Unidade nunca acampa? E, quanto à instrução, como o chefe quer que saibamos algo se ele nunca nos ensina?»

— «Quando passamos para a Frota, nós e os outros, ela encontrava-se fechada já há um bom tempo. A Frota foi reaberta por nós e recomeçámo-la do zero, pois não tivemos nenhum contacto com seus antigos Marinheiros antes que estes deixassem a Unidade. Entretanto, nossos chefes tratavam-nos como, creio eu, foram tratados um dia. Mas vê bem: eles tinham feito parte de uma Frota que já existia, firmemente consolidada, ao contrário do que foi o nosso caso.»

— «Nós é que nos organizávamos, muitas vezes, para realizar uma prova. Se o Estágio Probatório [o equivalente à Etapa de Tripulante entre os marítimos] (ou Estágio Purgatório, como dizíamos nos piores momentos) exigia uma caminhada de, no mínimo, tantos quilómetros, nós a fazíamos sem o chefe e, mais tarde, apresentávamos-lhe um relatório.»

— «Como naquele acampamento em que o "chupa-cabras" nos levou um pacote de pão. Todas as suspeitas recaíram sobre o pobre animal.»

— «O cão deveria ter fome e, para sua felicidade, estávamos lá.»

— «Lembro que decidimos fotografar o campo e os trabalhos de pioneirismo que fizemos. Fotografámos até o jantar, para mostrar que o cardápio tinha sido cumprido. Mas, antes de tudo, apresentávamos ao chefe um prospecto da actividade, incluindo cardápio, itinerário, programa das actividades que realizaríamos, orçamento, etc.»

— «Há, certamente, outras maneiras de se alcançar uma competência ou realizar uma prova. Se quisermos que, num Grupo Explorador, todos cheguem a Lis de Ouro, devemos planear isso. Deixar tudo por conta do acaso é esperar demais da sorte. Quanto às competências, devemos, em primeiro lugar, escolher aquelas que devem fazer parte do programa de instrução da Unidade.»

— «Algumas não podemos escolher.»

— «Verdade. Porque as de Socorrista, Campista e Cozinheiro são obrigatórias, ao menos ao nível dois. Pois bem! Já temos escolhidas três competências de um total de doze.»

— «Como escolher as outras nove?»

— «Devemos levar em conta três critérios para escolhermos uma competência. São eles, em ordem de importância: 1) Se realmente a queremos; 2) Se nos é possível conquistá-la; e 3) Se, mais do que dos meios necessários, dispomos dos meios favoráveis à sua conquista.»

— «O primeiro critério é fácil de entender. Basta que queiramos na verdade.»

— «Não é tão simples assim. Cometem-se grandes erros noutros agrupamentos a esse respeito. Uma vez um rapaz desejava vivamente a competência de Sinaleiro, mas até então, desde seu ingresso na Unidade, ele nunca tinha tido instrução sobre o assunto. Um dia, atirou as bandeiras homógrafas ao chão e praguejou. O chefe, rindo-se da situação, perguntou-lhe: — "Mas não era isso o que querias?" E o rapaz respondeu-lhe: — "Eu não sabia que era assim!"»

— «Entendo o que queres dizer. Será que toda competência é realmente como a imaginamos?»

— «Eis a questão. Não devemos imaginar. Devemos, sim, dar uma boa olhada ao livro de Competências & Especialidades. Geralmente só há um para toda a Unidade ou agrupamento e o chefe cede-o aqui e ali. Os escuteiros mais entusiasmados, quando têm acesso à loja da Região e o dinheiro necessário, adquirem um exemplar da obra. Quando têm apenas entusiasmo e pouco dinheiro, fotocopiam o livro (o que não deve ser incentivado, pois a Região deixa de ganhar a parte que lhe é devida e, no futuro, talvez pense que investir em livros escutistas, ou mesmo custeá-los, seja mau negócio). Seria um óptimo investimento se a Secção adquirisse alguns exemplares, de modo que houvesse ao menos um deles em poder de cada Patrulha.»

— «E depois?»

— «Quando todos os interessados já tiverem lido o livro, deve-se reunir a Secção e aparar as últimas arestas, isto é, o chefe deve acabar com as dúvidas a respeito do que possa significar este ou aquele requisito. É importante reunir a Secção, pois uma competência que, a princípio, não pareça atractiva para uns, pode passar a sê-lo depois de alguns esclarecimentos e exemplos dados pelo chefe. Na verdade, mais do que escolher nominalmente quais competências queremos, deveríamos saber mais precisamente quais requisitos desejamos cumprir. Há [no Brasil] um número mínimo deles que deve ser observado para que se alcance uma competência a este ou àquele nível. [Por exemplo: se uma competência tem 9 ítens ou requisitos a cumprir, um escuteiro alcança o nível 1 se cumpre 3 ítens quaisquer ou requisitos; o nível 2 se cumpre 6; e o nível 3 se cumpre todos].»

— «Agora, quanto àquele segundo critério, que competência seria impossível de alcançar?»

— «Imagina que houvesse a competência de Escultura no Gelo. Seria praticamente impossível conquistá-la nos trópicos. E, ainda que houvesse ambientes artificialmente refrigerados para tal finalidade, em que cidade estaria ele localizado? Quantas viagens seriam necessárias? Quanto custaria? Enfim, seria viável?»

— «Entendo. Nesse caso, não basta entusiasmo.»

— «Devemos ter em mente o tempo que pode levar até que os escuteiros alcancem essas competências. Há um limite para eles relacionado à idade. Não se pode esperar que eles cheguem a Lis de Ouro depois dos quinze anos.»

— «E que seria favóravel? Estou a referir-me ao terceiro critério.»

— «Imaginemos que existam agrupamentos de escuteiros na Antárctida. Se eles quisessem conquistar aquela competência de Escultura no Gelo, haveria não só condições favoráveis, mas também ideais! Quanto a reunir a Secção para tratar do assunto, deve-se fazê-lo tantas vezes quantas forem necessárias. Haverá, portanto, esse fórum de discussões (ou Conselho de Grupo, como queiras), cujo tema invariável serão as competências.»

— «Há também a Insígnia Mundial da Conservação da Natureza [necessária para a conquista do Lis de Ouro], não há?»

— «Sim. Devemos incluí-la nesse fórum. Há igualmente três competências do Grupo Vermelho que um escuteiro deve conquistar ao menos a nível dois. Lembremos que a meta é o distintivo de Lis de Ouro.»

— «E a seguir?»

— «Deve haver um programa de instrução para que todos possam adquirir todo o conhecimento necessário. O programa de actividades deve ser baseado nesse primeiro programa. Os jogos e as actividades devem fazer com que os escuteiros pratiquem toda a instrução dada. E aqui devemos evitar um grande erro. O chefe não deve avaliar o escuteiro justamente na primeira vez que este se veja a fazer alguma coisa. Um bom programa deve fazer com que os escuteiros pratiquem o máximo possível o que devem saber bem, seja pioneirismo, seja cozinha. Quando os escuteiros estão realmente bons no que fazem, essa é a hora certa de o chefe os avaliar. É assim que bons chefes aprovam muitos escuteiros de uma só vez. Não há nenhuma mágica. Pelo contrário: isso é o resultado de um longo processo ou esforço.»

— «É por isso então que vemos Unidades em que todos (ou quase todos) os escuteiros têm a mesma competência? Não se trata de bondade do chefe ou distribuição gratuita de insígnias?»

— «De modo algum! É a maneira mais inteligente de permitir que os escuteiros de uma Unidade satisfaçam as exigências de qualquer prova, porque é justamente a maneira que gera mais resultados. É uma pena quando um escuteiro, isoladamente, tem de se esforçar para realizar uma prova. Não há instrução no programa da Unidade nem oportunidade à vista de se cumprir esta ou aquela exigência. É a maneira mais difícil (ao menos para o escuteiro) e também a mais improdutiva para a Unidade. Quando fizeres o CB Escoteiro ou Sênior tu verás isso. Também terás a oportunidade de conversar com chefes de outros agrupamentos e verás, nessa ocasião, que nem todos os agrupamentos agem do mesmo modo. Aprenderás muito em ocasiões como essas e talvez queiras manter contacto com chefes de longe, de maneira que não te sintas isolado em teu agrupamento, nem desanimado, imaginando que a galinha do agrupamento vizinho seja mais gorda que a do teu. Em todo caso, talvez queiras manter um sítio na Internet. Muitos agrupamentos já fazem isso em várias partes do mundo e, para que não tomemos os bons exemplos alheios sem oferecer nada em troca, também podemos criar um sítio, retribuindo o que os outros nos oferecem de graça.»

— «Vejo que sim. No entanto, para que não fujamos ao tema "competências & especialidades", há agrupamentos em que as coisas são daquela maneira que me estavas a falar?»

— «Vê bem. Geralmente a primeira vez que um rapaz faz comida na vida é quando tem de fazer uma prova que exija o preparo de uma refeição. É justamente então que ele costuma ser avaliado.»

— «Ele poderia praticar em casa.»

— «E quanto à cozinha mateira? E quanto a tudo aquilo que exige ar livre, actividades com a Secção e outras tantas coisas que só um bom programa de instrução muito bem casado com um belo programa de actividades pode oferecer?»

— «Tens razão. Parece que se não pode ser escuteiro se estamos o tempo todo em casa ou na sede.»

— «Se teremos socorristas na Secção, devemos incluir nos programas de instrução e de actividades os requisitos de Socorrismo que a Unidade escolheu cumprir e planear todo tipo de jogos e actividades de modo que eles pratiquem o máximo possível e, quando estiverem "perfeitos" no assunto, então sim cobraremos o que sabem. Afinal, estamos a falar de competentes e, não, de curiosos no assunto. Uma boa ideia, a meu ver, é não avisar quando será feita a avaliação. Na verdade, estaremos a avaliá-los o tempo todo e, quando verificarmos que, pelo menos, a maioria ou boa parte deles já merece receber certa insígnia, faremos uma cerimónia surpresa. Eles só saberão do que se trata no último segundo. Os outros, quando estiverem aptos, receberão as insígnias noutra cerimónia surpresa.»

— «A mim parece óptimo. Vejo que teremos uma excelente Secção.»

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